Magistratura Federal e Magistério
Transcrição
– Informativo de Jurisprudência do STF nº 335
MED. CAUT. EM ADI 3126/DF
MIN. NELSON JOBIM
despacho publicado
no DJU de 9.2.2004
1. A RESOLUÇÃO
Nº 336/2003.
O CONSELHO
DA JUSTIÇA FEDERAL editou a RESOLUÇÃO Nº 336, de
16/10/2003.
Dispõe
sobre
"... o acúmulo
do exercício da magistratura com o exercício do magistério
no âmbito da Justiça Federal de primeiro e segundo grau".
Regulamenta
o art. 26, II, a, da LOMAN), e o art. 32 da L. 5.010/66 (Organização
da Justiça Federal de 1ª Instância).
Esta é
a Resolução:
Art. 1º
Ao magistrado da Justiça Federal de primeiro e segundo graus, ainda
que em disponibilidade, é defeso o exercício de outro cargo
ou função, ressalvado(a) um(a) único(a) de magistério,
público ou particular.
Art. 2º
Somente será permitido o exercício da docência ao magistrado
se houver compatibilidade de horário com o do trabalho judicante.
Art. 3º
Não se incluem na vedação referida nos artigos anteriores
as funções exercidas em curso ou escola de aperfeiçoamento
da própria magistratura mantidos pelo Poder Judiciário ou reconhecidos
pelo Conselho da Justiça Federal.
Art. 4º
Qualquer exercício de docência deverá ser comunicado
pelo magistrado ao Corregedor- Geral do respectivo Tribunal Regional Federal,
no início da cada período letivo, ocasião em que informará
o nome da entidade de ensino e os horários das aulas que ministrará;
se a docência for exercida por magistrado de segundo grau a comunicação
deverá ser feita ao Presidente do Conselho da Justiça Federal.
Art. 5º
Ciente de eventual exercício do magistério em desconformidade
com a presente Resolução, o Corregedor-Geral comunicá-la-á,
com prévio parecer, ao Tribunal para deliberar como de direito.
Art. 6º
Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação.
2. A AÇÃO.
A ASSOCIAÇÃO
DOS JUÍZES FEDERAIS DO BRASIL - AJUFE - pretende a declaração
de inconstitucionalidade de toda a Resolução.
Alega que:
"..............................
28 - Pela interpretação
do ... artigo 95, parágrafo único, I ... [da CF] o exercício
do magistério aos Juízes passou a ser permitido, com a única
restrição de, em se ocupando cargo ou função
- conceitos de direito administrativo, e que remetem exclusivamente ao magistério
em entidade pública - este fica limitado a apenas um. O escopo almejado
pelo constituinte ... foi proibir a acumulação de dois cargos
ou funções públicos, como ocorre com os servidores públicos,
ressalvadas as exceções constitucionais.
..............................
30 - O artigo
5º da referida Resolução, confirma a índole tipicamente
disciplinar do ... edito normativo, ... (fls. 25)
..............................
31 - ... a
matéria é própria do Estatuto da Magistratura, sujeita
... por efeito de reserva constitucional, ao domínio normativo de
lei complementar. Efetivamente, o art. 93, da [CF], estabelece que 'Lei Complementar,
de iniciativa do [STF], disporá sobre o Estatuto da Magistratura...'
..............................
32 - ... a
matéria - acúmulo do exercício da judicatura com outro
cargo ou função ... é disposta na [CF], admitindo regulação
somente pela [LOMAN] ... Verifica-se, assim, que ao editar a Resolução
atacada, o Conselho da Justiça Federal extrapolou a competência
constitucional que lhe é atribuída, de simples supervisão
administrativa e orçamentária da Justiça Federal, afrontando
o art. 105, parágrafo único da Constituição.
(fls. 26)
..............................
41 - ... compete
ao Conselho da Justiça ... 'expedir normas gerais de procedimentos
relacionados com os sistemas de recursos humanos, orçamento, administração
financeira, controle interno e informática da Justiça Federal
de Primeiro e Segundo Graus, além de outras atividades auxiliares
comuns que necessitem de uniformização.'... Nada, portanto,
que diga respeito à disciplina judiciária e aos deveres dos
magistrados, no específico caso ora analisado, matérias eminentemente
reservadas ao Estatuto da Magistratura... (fls. 31)
..............................
50 - [O art.
2º da Resolução atacada] .... transgride o Artigo 95,
parágrafo único, inciso I, [da CF], que, permitindo ao juiz
cumular o desempenho da judicatura com um cargo de magistério, não
estabeleceu tal exigência. (fls. 33).
51 - ... a
imposição de que o exercício de cargo ou função
de magistério pelo Juiz deve ser compatível com o horário
'do trabalho judicante' caracteriza, na prática, proibição
de afastamento do magistrado enquanto durar o expediente diário da
unidade judiciária. [Ainda, ofensa ao] ... artigo 96, I, letra 'f',
da [CF, que] ... é inequívoco ao prescrever que 'compete privativamente'
'aos tribunais' 'conceder licença, férias e outros afastamentos
a seus membros e aos juízes e servidores que lhes forem imediatamente
vinculados.' (fls. 34)
..............................
54 - Existe
a necessidade de declaração de inconstitucionalidade da Resolução,
pois a matéria está esgotada, na própria Constituição
e na LOMAN - com a interpretação conforme a [CF] - e por isso,
inadmissível o intuito de criar-se um 'decreto regulamentador', pois
este só é manejado quando a lei deixa alguns aspectos de sua
aplicação para serem desenvolvidos pela Administração
Pública, ou seja, quando lhe confere certa margem de discricionariedade
para decidir, o que não é o caso. Se o legislador Constituinte
e Infraconstitucional esgotou a matéria, não há necessidade
de "regulamento". (fls. 34/35).
.............................
56 - [Quanto
ao art. 5º da Resolução, suas disposições]...
qualificam-se como ... instrumentos de fiscalização da atividade
dos juízes federais de primeiro e segundo graus, no exercício
do magistério ... (fls. 35)
57 - ... O
Conselho da Justiça Federal não detém poder de hierarquia
sobre a categoria específica dos juízes de primeiro e segundo
graus ... a competência do aludido órgão, a qual se exaure
no exercício, por ele, da 'supervisão administrativa e orçamentária
da Justiça Federal', nos dois graus de jurisdição em
que esta se divide, nos termos do artigo 105, parágrafo único,
da [CF], ampliá-la, para investi-lo de poderes hierárquico
e disciplinar em relação aos magistrados que a integram, implica
frontal ofensa ao citado dispositivo constitucional. (fls. 36)
.............................."
Sustenta, em
síntese,
"..............................
64 - A resolução
atacada, editada por órgão de caráter administrativo,
exorbitou a competência desse órgão, ferindo o art. 105,
I, da [CF]; criou indevidamente aos Magistrados restrições não
previstas no art. 95, I, da [CF], ferindo assim novamente seu art. 105, I,
e o art. 95, parágrafo único, I; e feriu o princípio
da razoabilidade e da proporcionalidade.
.............................."
(fls. 38).
Requer,
"..............................
a) ... seja
deferida ... liminar, com a sustação dos efeitos, com eficácia
'ex tunc', e até o julgamento final da ação, de todos
os dispositivos ... da RESOLUÇÃO nº 336, de 16/10/2003,
do ... Conselho da Justiça Federal ...
.............................."
(fls. 44)
No mérito,
a declaração de inconstitucionalidade da referida norma.
2. A DECISÃO.
(1) COMPETENCIA
DO CONSELHO.
A CF atribui
competência de supervisão administrativa da Justiça Federal
de 1º e 2º grau (CF, art. 105, parágrafo único).
Ora, a supervisão
administrativa abrange a questão, tipicamente administrativa, da compatibilização
entre a função da magistratura e da docência por parte
de magistrados.
Para juízo
cautelar, afasto a alegação de incompetência do CONSELHO
para dispor sobre a questão.
(2) CF, ART.
95, PARÁGRAFO ÚNICO, I.
Este é
o texto constitucional que serve de parâmetro de controle:
Art. 95. ....................
.............................
Parágrafo
Único. Aos juízes é vedado:
I - exercer,
ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo
uma de magistério;
.............................
Possui ele
duas normas.
Uma, primária
e proibitiva:
= impedir o
exercício de outro cargo ou função.
Outra, secundária
e permissiva:
= permitir
o exercício do magistério.
(2) RESOLUÇÃO,
ART. 1º.
A RESOLUÇÃO,
aludindo expressamente à LOMAN - com redação de 1979
-, ressalvou
"... um(a)
único(a) [cargo ou função] de magistério, ..."
(art. 1º).
Plausível
é a interpretação da regra de 1988 de que o primeiro
e principal objetivo é o impedir o exercício, por parte do
magistrado, de outra atividade que não de magistério.
Mas, a CF vai
mais além.
Ao usar, na
ressalva, a expressão "uma de magistério", tem a CF, por objetivo,
impedir que a cumulação autorizada prejudique, em termos de
horas destinadas ao magistério, o exercício da magistratura.
Daí
a restrição à unidade ("uma de magistério").
A CF, ao que
parece, não impõe o exercício de uma única atividade
de magistério.
O que impõe
é o exercício de atividade do magistério compatível
com a atividade de magistrado.
A fixação
ou a imposição de que haja apenas uma "única" função
de magistério - preconizada na RESOLUÇÃO -, ao que tudo
indica, não atende o objetivo constitucional
A questão
está no tempo que o magistrado utiliza para o exercício do
magistério vis a vis ao tempo que restaria para as funções
judicantes.
Poderá
o magistrado ter mais de uma atividade de magistério - considerando
diferentes períodos letivos, etc. - sem ofensa ao texto constitucional.
Impor uma única
e só função ou cargo de magistério não
atende, necessariamente, ao objetivo constitucional.
Poderá
ocorrer que o exercício de um único cargo ou função
no magistério público demande 40 horas semanais.
Quarenta horas
semanais importam em oito horas diárias para uma semana de cinco dias.
Ou, ainda,
que um magistrado-docente, titular de um único cargo em universidade
federal - professor adjunto - ministre aulas na graduação, no
mestrado e no doutorado!
Nestas hipóteses,
mesmo sendo um único cargo, ter-se-ia a burla da regra constitucional.
Poderá
ocorrer e, certamente, ocorre que o exercício de mais de uma função
no magistério não importe em lesão ao bem privilegiado
pela CF - o exercício da magistratura.
A questão
é a compatibilização de horários, que se resolve
caso a caso.
A CF, evidentemente,
privilegia o tempo da magistratura que não pode ser submetido ao tempo
da função secundária - o magistério.
Assim, em juízo
preliminar, entendo deva ser suspensa a expressão "único(a)"
constante do art. 1º.
(3) RESOLUÇÃO,
art. 2º.
Creio que a
regra fundamental da RESOLUÇÃO está no seu art. 2º.
Este só
admite o exercício da docência
"... se houver
compatibilidade de horário com o trabalho judicante."
Aqui não
há qualquer conflito com a CF.
Pelo contrário.
A RESOLUÇÃO,
neste art. 2º, instrumentaliza a regra constitucional.
A necessidade
de sua edição decorre de interpretações que têm
posto, de fato, o exercício da magistratura, em alguns casos, como
secundária em relação ao exercício da docência.
Certo o CONSELHO.
(4) RESOLUÇÃO,
arts. 4º e 5º.
A RESOLUÇÃO,
nos arts. 4º e 5º, dá conseqüências ao disposto
no art. 2º.
O art. 4º
exige a comunicação à autoridade competente do exercício
da docência, com os detalhamentos necessários.
De posse desses
dados empíricos, a autoridade competente poderá apurar a compatibilidade
da docência com a atividade judicante.
Com base nessa
análise concreta, a autoridade poderá deliberar a respeito
(art. 5º).
Viabiliza-se,
com esses dispositivos, a observância da CF.
Nenhum problema
constitucional.
(5) RESOLUÇÃO,
art. 3º.
A RESOLUÇÃO,
em uma hipótese, autoriza que a docência possa concorrer com
o tempo da judicatura.
Quando se tratar
de
"... funções
exercidas em curso ou escola de aperfeiçoamento da própria
magistratura mantidos pelo Poder Judiciária ou reconhecidas pelo Conselho
da Justiça Federal" (art. 3º).
A regra é
compatível com a CF.
Em dois momentos
a CF se refere a "cursos de aperfeiçoamento".
Dispõe
que, na "aferição do merecimento", para efeito promoção,
dever-se-á levar em conta a
"... freqüência
e aproveitamento em cursos reconhecidos de aperfeiçoamento" (CF, art.
93, II, c)
Por outro lado,
a CF determina à LOMAN a previsão de tais cursos (CF, art.
93,IV).
Neste caso,
o exercício da docência está voltado ao aperfeiçoamento
dos integrantes da magistratura - objetivo constitucional.
O magistrado-docente,
nesta hipótese, dedica parte de seu tempo à própria
magistratura.
A situação
é diversa quando o exercício da docência dá-se
em outros cursos que não estes.
A distinção
feita entre uns e outros, pela RESOLUÇÃO, tem, para efeitos
de cautelar, autorização constitucional.
Quanto ao reconhecimento
de cursos, a regra constitucional é expressa.
(6) CONCLUSÃO.
Pelos motivos
expostos, não vejo, nesta fase de liminar, ilegitimidade nos artigos
2º, 3º, 4º e 5º da RESOLUÇÃO.
O mesmo não
se dá com a expressão "único(a)" do art. 1º.
Neste ponto,
é plausível a ilegitimidade.
Há o
risco pela mora: o ano letivo, em vários cursos, inicia-se em fevereiro.
Defiro a liminar,
'ad referendum' do Plenário.
Suspendo a
eficácia da expressão "ÚNICO(A)" do art. 1º da
RESOLUÇÃO Nº 336/2003, do CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL.
Cientifique-se.
Remetam-se
os autos ao RELATOR.
Brasília, 30 de janeiro de 2004.
Ministro NELSON JOBIM
Vice-Presidente, no exercício da Presidência
* despacho publicado no DJU de 9.2.2004
|