Penhora e Países associados do MERCOSUL (Transcrições
- v. Informativo 305) - DJ 23/05/2003
CR (Agr) 10.479-República
da Bolívia*
RELATOR: MIN.
MARCO AURÉLIO
CARTA ROGATÓRIA - PENHORA - INVIABILIDADE DE EXECUÇÃO
- MERCOSUL - PARÂMETROS SUBJETIVOS. A regra direciona à necessidade
de homologação da sentença estrangeira, para que surta
efeitos no Brasil. A exceção corre à conta de rogatória
originária de país com o qual haja instrumento de cooperação,
o que não ocorre relativamente à Bolívia, ante o fato
de não estar integrada ao Mercosul e de ainda não haver sido
aprovado, pelo Congresso Nacional, o Acordo de Cooperação e
Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista
e Administrativa entre os Estados Partes do Mercosul e as Repúblicas
da Bolívia e do Chile, nos termos do artigo 49, inciso I, da Carta
da República.
Relatório :- Mediante a decisão de folha 46, indeferi
a execução pleiteada, consignando:
CARTA ROGATÓRIA
- EXECUÇÃO - INDEFERIMENTO.
1. Esta carta rogatória, originária do Juizado Sexto
da Turma Civil da Capital, na República da Bolívia, tem por
finalidade a penhora de bens pertencentes a pessoas residentes no Brasil.
À folha 44, o Ministério Público Federal,
destacando a natureza essencialmente executória da medida, opinou
pela inviabilidade da execução.
2. A Jurisprudência desta Corte, respaldada na melhor doutrina
(Haroldo Valladão, em "Direito Internacional Privado", Freitas Bastos,
página 176; Hermes Marcelo Huck, em "Sentença Estrangeira e
Lex Mercatoria", Saraiva, página 35 à 39; e Wilson de Souza
Campos Batalha, em "Tratado de Direito Internacional Privado", Revista dos
Tribunais, páginas 408 e 409), orienta-se no sentido de considerar
insuscetíveis de cumprimento, no Brasil, cartas rogatórias
de caráter executório, ressalvadas as expedidas com fundamento
em acordos ou convenções internacionais de cooperação
jurisdicional (RTJ 72/659; RTJ 93/517; RTJ 103/536).
3. Diante da inexistência, na espécie, de tratado
ou convenção entre o Brasil e Bolívia regulando objeto
da rogatória, indefiro a execução deste instrumento.
Devolva-se, por via diplomática, à origem.
4. Publique-se.
Daí o agravo de folha 60 a 65, no qual João Raul
Colpo, autor da ação de execução movida na Bolívia,
insiste no deferimento do objeto da carta. Salienta que, em 1997, a Bolívia
passou a ser associada do Mercosul, estando, a partir de então, incluída
nos acordos e tratados de cooperação celebrados entre o Brasil
e os Países membros do Cone Sul. Ressalta que, entre os países
integrantes do Mercosul, "há intenção formal de se possibilitar
a mais ampla cooperação jurisdicional para a solução
de litígios". Assevera que, mediante a criação do Mercosul,
o conceito de soberania "cede lugar ao princípio de cooperação
entre os Estados-Membros e o reconhecimento mútuo da atuação
legítima e não ofensiva da autoridade jurisdicional estrangeira".
Alude ao Protocolo de Lãs Leñas, ao Protocolo de Medidas Cautelares
de Ouro Preto e ao Protocolo de Brasília, defendendo haver "acordo
de cooperação naquela área entre a Bolívia e
o Brasil" (folha 63), o que estaria a viabilizar a realização
da penhora. Esclarece que, apesar de a ação ter sido ajuizada
na Bolívia, envolve apenas brasileiros, aqui residentes.
O Procurador-Geral da República, no parecer de folha 69
a 71, preconiza o desprovimento do agravo, aduzindo:
Todavia, não
lhe assiste razão.
De fato, a República da Bolívia, e também
a República do Chile, passaram a ser associados do MERCOSUL em 1997,
após assinar o Acordo - ACE nº 36, em dezembro de 1996, em Fortaleza
- Brasil. Contudo, isso não quer dizer "que a partir de então
o país está incluído nos acordos e tratados de cooperação
celebrados entre o Brasil e os Países que integram o MERCOSUL", conforme
consta às fls. 63 do pedido.
Por oportuno, registro que em reunião do MERCOSUL, realizada
em Buenos Aires, a República da Bolívia assinou, em 05 de julho
de 2002, o Protocolo de Cooperação e Assistência Jurisdicional
em matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa. Porém,
tal acordo, além de não ter sido aprovado pelo Congresso Nacional,
nem sancionado pelo Poder Executivo, portanto, se o Protocolo em tela não
integra o ordenamento jurídico interno brasileiro, tão pouco
a diligência de cunho executório, na forma como solicitada,
tem abrigo nas disposições do referido Protocolo de Cooperação,
onde buscou fundamento para interpor o presente agravo.
Assim sendo, considerando
as razões expostas, opina o Ministério Público pelo improvimento
do agravo regimental.
É o relatório.
Voto: - Na interposição deste agravo, foram atendidos
os pressupostos de recorribilidade que lhe são inerentes. A peça,
subscrita por profissional da advocacia credenciado por meio do documento
de folha 3, restou protocolada no qüinqüídio. A publicação
da decisão atacada deu-se no Diário de 21 de outubro de 2002,
segunda-feira (folha 47), ocorrendo a manifestação do inconformismo
em 28 imediato, segunda-feira (folha 60). Dele conheço.
Na espécie, improcede o que articulado sobre a integração
da Bolívia ao Mercosul. Este fora constituído por meio do Tratado
de Assunção, assinado entre os Governos da República
Argentina, da República Federativa do Brasil, da República
do Paraguai e da República do Uruguai e promulgado pelo Decreto nº
350, de 21 de novembro de 1991. A existência de protocolos adicionais,
como o "Acordo de Complementação Econômica nº 36
- entre Mercosul e a Bolívia (1996)", o "Protocolo de Ushuaia (1998)",
a "Declaração Sociolaboral (1998)", a "Declaração
Política do Mercosul (1998)" e a "Carta de Buenos Aires sobre Compromisso
Social no Mercosul, Bolívia e Chile (2000)", revela a nítida
distinção entre os países fundadores - Argentina, Brasil,
Paraguai e Uruguai - e os associados - Bolívia e Chile -, que participam
dos encontros na qualidade de observadores. Vale registrar também
o fato de estar submetido à aprovação pelo Congresso
Nacional, nos termos do artigo 49, inciso I, da Constituição
Federal, o "Acordo de Cooperação e Assistência Jurisdicional
em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa", celebrado
entre os Estados Partes do Mercosul e as Repúblicas da Bolívia
e do Chile e assinado em Buenos Aires em 5 de junho de 2002. Assim, o instituto
da cooperação ainda não encontra o indispensável
apoio, porquanto não integra o ordenamento jurídico nacional,
esbarrando o pleito na regra segundo a qual a execução de sentença
no Brasil não prescinde de homologação. Desprovejo o
agravo.
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