Convenção
Coletiva e Política Salarial (Transcrições extraída
do Informativo STF n. 294 – Dez/2002)
RE (ED) 194.662-BA
- Segunda
Turma -( acórdão pendente de publicação)
RELATOR: MIN. GILMAR MENDES
Voto-vista: Os embargos declaratórios estão previstos
no Título X - Dos Recursos - do Código de Processo Civil (arts.
496, IV). O art. 535, do CPC, relaciona as hipóteses de seu cabimento:
"Art. 535. Cabem embargos de declaração quando:
I - houver, na sentença
ou no acórdão, obscuridade ou contradição;
II - for omitido
ponto sobre o qual devia pronunciar-se o juiz ou o tribunal."
Da mesma forma, o art. 337 do Regimento Interno do Supremo Tribunal
Federal dispõe que são cabíveis os embargos de declaração,
"quando houver no acórdão obscuridade, dúvida, contradição
ou omissão que devam ser sanadas". Hoje, já não é
passível de impugnação por meio de embargos a dúvida,
nos termos do referido art. 535, do CPC, na redação da Lei n.
8.950, de 13 de dezembro de 1994.
O objetivo desse
recurso é o aperfeiçoamento do pronunciamento judicial, seja
para esclarecê-lo ou para complementá-lo, com a eliminação
de contradição, obscuridade ou omissão. No entanto, por
vezes, visa reformar ou invalidar a decisão, pela ocorrência
de manifesto equívoco. Nessa hipótese é que se tem admitido
o efeito infringente ou modificativo do julgado, por não haver, no
sistema legal, previsão de outro recurso para a correção
de eventual erro cometido. A única ressalva que fazem a doutrina e
a jurisprudência, em tais casos, é quanto à observância
do contraditório.
No caso dos autos,
o recurso extraordinário foi julgado por esta Turma. Assim, contra
essa decisão, eram cabíveis os embargos de declaração.
Resta saber, no
entanto, se a premissa considerada no julgamento do recurso extraordinário
estava correta e se ocorreu hipótese em que se deve atribuir efeito
modificativo aos embargos de declaração.
Cuida-se de embargos
de declaração em recurso extraordinário, no qual SINPER
- Sindicato da Indústria Petroquímica e de Resinas Sintéticas
no Estado da Bahia e Outro sustentam que "segundo resulta do acórdão
majoritário embargado, no caso concreto, a cláusula de Convenção
Coletiva de Trabalho referente a reajustamento salarial permaneceu imune à
lei que dispôs sobre a política salarial do país (Lei
8.030/90)".
Apontam a divergência
jurisprudencial com o RE 158.880/RS, 2ª T., redator para o acórdão
Min. Maurício Corrêa, D.J. de 18.9.98, em que a própria
2ª Turma firmou entendimento "no sentido de que as cláusulas estipuladas
na Convenção Coletiva de Trabalho referentes a reajustes de
salários não prevalecem ante leis posteriores de política
salarial que disciplinem a matéria diferentemente do que estipulado
na Convenção. Essa é a tese básica, essencial,
que tem tranqüilamente prevalecido no Supremo Tribunal Federal, embora
com divergência do ilustre Ministro Marco Aurélio". Também,
no AI 177.742/RS (AgR), rel. Min. Maurício Corrêa, D.J. de 3.5.96,
dentre outros.
Ainda, afirmam que
"o entendimento firmado - e não só nos casos referidos, mas
em vários outros - é no sentido de que, editada a lei de política
salarial, NORMA DE CARÁTER IMPERATIVO, ESTA SE SOBREPÕE A TODAS
AS DEMAIS FONTES SECUNDÁRIAS DE DIREITO - CONVENÇÃO,
ACORDO OU SENTENÇA NORMATIVA - sendo nula, de pleno direito, DISPOSIÇÃO
DE CONVENÇÃO OU ACORDO COLETIVO QUE CONTRARIE PROIBIÇÃO
OU NORMA DISCIPLINADORA DO GOVERNO OU CONCERNENTE À POLÍTICA
SALARIAL VIGENTE...".
Ao final, pedem:
"Logo, suprida a omissão com o exame dos precedentes e ficando, em
conseqüência, afastada a assertiva de que o caso encerraria novidade
frente aos casos anteriores dessa C. 2ª Turma, surge a evidência
de premissa equivocada no v. acórdão, influente em seu resultado,
o que torna não só possível, como importa, em conseqüência,
que a sua correção implique modificação do julgado."
A questão
posta no recurso extraordinário era, portanto, saber se a disposição
constante de cláusula de convenção coletiva referente
aos reajustes salariais deveria prevalecer em face de nova política
salarial fixada pelo governo federal, especificamente, pela Lei nº 8.030,
de 12 de abril de 1990 - Plano Collor I.
No julgamento do
Recurso Extraordinário, iniciado em 24.4.01 e concluído em
18.9.01, o Ministro relator declarou, verbis (fls. 2.583-2.584):
"A espécie dos autos possui características que
a distanciam de outros casos com os quais se tem defrontado esta Turma. É
que, presente a idéia da possibilidade de corrigir-se mazelas deste
imenso Brasil mediante novas leis, as partes foram explícitas ao afastar
a incidência do que viesse a ser estipulado normativamente, buscando
preservar, acima de tudo, o reajuste decorrente de inflação
já verificada. Repita-se: estabeleceram, no parágrafo único
da cláusula quarta da convenção, que, na hipótese
de nova lei introduzindo política salarial menos favorável,
prevaleceria o que ajustado, ou seja, a revisão dos vencimentos aquém,
em princípio, até mesmo, da inflação, porque prevista
na base de noventa por cento do Índice de Preços ao Consumidor,
ou seja, da variação de preços de mercadorias a que
os salários visam a adquirir, ante a necessidade de sustento do trabalhador
e da respectiva família."
Parecem ter razão os embargantes.
O eminente Relator,
Ministro Marco Aurélio, considerou que os acórdãos sobre
o tema não se identificavam com a hipótese dos autos. Não
há dúvida de que a afirmação afigurou-se decisiva
para o entendimento adotado. Essa orientação foi, igualmente,
aceita pelos ministros Celso de Mello e Néri da Silveira, o que permitiu
a formação da decisão majoritária.
Destaco do voto
do ilustre ministro Néri da Silveira, o seguinte trecho (fls. 2.634):
"Entendi que, realmente, - como destacara o eminente Ministro-Relator,
à época, quando se iniciou o julgamento, e não modifiquei,
hoje, com os debates, esse entendimento -, o sistema, essa negociação
aqui estipulada, não foi afetada pela lei nova. Por isso mesmo, de
uma maneira muito sucinta, penso que essa cláusula há de ser
mantida, há de ser respeitada e haveria de presidir, entre essas empresas,
entre os sindicatos contratantes, os quais convencionaram tal disposição,
o regime salarial, assim como já o fizera nos seis primeiros meses,
talvez, sem dúvida alguma, com prejuízo para a parte dos trabalhadores,
que receberam, apenas, noventa por cento, segundo essa estipulação,
do índice oficial de correção estabelecido. Penso que
a interpretação que tem sido pretendida se reveste de plausibilidade.
Se eles de fato perderiam, em vez de receberem cem por cento, recebendo noventa
por cento -, tiveram, porém, uma garantia. E a cláusula é
de garantia de reajuste de que, durante esse período de vigência,
os noventa por cento do índice de correção do salário
deveriam ser respeitados.
Desse modo, não
deixo de compreender que o Tribunal tem, de uma forma geral, reconhecido
a incidência da lei relativamente aos sistemas salariais. Mas penso
que, numa situação como essa - em que as partes estipularam
para valer, por um período certo, um determinado regime que foi executado
com prejuízo para uma das partes, talvez, na expectativa de não
ter prejuízo maior se houvesse mudança do regime salarial -
esse ajuste há de ser respeitado, qual afirmação do
apreço que nossa ordem constitucional dá, de garantia, a essa
cláusula fundamental, que é o respeito ao ato jurídico
perfeito."
A afirmação não tinha procedência.
No RE 158.880/RS, maioria, redator para o acórdão
Min. Maurício Corrêa, D.J. de 18.9.98, a 2a Turma afastou a
violação ao princípio constitucional do direito adquirido,
ao assentar a prevalência da disposição legal superveniente,
ainda que de forma contrária ao que firmado em cláusula de
acordo coletivo. A ementa está assim redigida:
"EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ALTERAÇÃO
DO PADRÃO MONETÁRIO. REAJUSTE DE SALÁRIO PREVISTO EM
SENTENÇA NORMATIVA. ACORDO COLETIVO HOMOLOGADO. SUPERVENIÊNCIA
DE NOVA POLÍTICA SALARIAL FIXADA PELO GOVERNO. DIREITO ADQUIRIDO.
INEXISTÊNCIA.
1 - A sentença
normativa tem natureza singular e projeta no mundo jurídico apenas
norma de caráter genérico e abstrato, embora nela se reconheça
a existência da eficácia da coisa julgada formal no período
de vigência mínimo definido em lei (art. 873, CLT), e, no âmbito
do direito substancial, coisa julgada material em relação à
eficácia concreta já produzida. É norma editada no vazio
legal.
1.1 - Sobrevindo
a lei, norma de caráter imperativo que se sobrepõe a todas
as demais fontes secundárias de direito - convenção,
acordo ou sentença normativa -, será nula de pleno direito
disposição de Convenção ou Acordo Coletivo que,
direta ou indiretamente, contrarie norma governamental disciplinadora da
política econômico-financeira ou concernente à política
salarial vigente (art. 623, CLT).
2 - A sentença
normativa firmada ante os pressupostos legais vigentes pode ser derrogada
por normas posteriores que venham a imprimir nova política econômico-monetária,
por serem de ordem pública, portanto, de aplicação imediata
e geral.
2.1. - Afigura-se
demasiado extremismo afirmar que, tendo a decisão recorrida adequado
os reajustes salariais da categoria, emergentes de acordo em dissídio
coletivo, ao plano de estabilização econômica, restaram
violados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.
3 - Reajuste de
salário previsto em acordo coletivo homologado, ou sentença
normativa transitada em julgado. Superveniência de nova política
salarial. Direito adquirido. Inexistência.
Recurso extraordinário
não conhecido."
Também no AI (AgR) nº 177.742/RS, 2ª T., D.J.
de 3.5.96, relator Min. Maurício Corrêa, dentre outros.
Fica evidente, assim,
que nenhuma novidade havia no parágrafo único da cláusula
quarta do acordo. Inegável, outrossim, que, quando da decisão
em apreço, a matéria já havia sido decidida no contexto
específico referido pelo relator (previsão contratual anterior
entre as partes contemplando o afastamento da aplicação da lei
de política salarial menos benéfica ao trabalhador).
Afigura-se, pois,
que essa premissa incorreta contida no voto do relator foi decisiva para
que se formasse a decisão ora impugnada.
Não parece
relevante a consideração suscitada pelo Ministro Velloso segundo
a qual o possível equívoco da premissa teria sido apontado pelo
voto vencido de Jobim, que "demonstrou que a Turma tinha, em espécie
igual, entendimento diverso do voto do Relator. É dizer que a Turma
foi devidamente advertida do entendimento que vinha adotando em espécie
igual".
Decisivo se afigura,
isto sim, que essa premissa tenha sido aceita como correta pela maioria e,
por isso, integrado a "ratio decidendi".
Aqui, afigura-se
fundamental a distinção entre "ratio decidendi" e "obter dictum",
tendo em vista a necessidade ou a imprescindibilidade dos argumentos para
formação da decisão obtida (Cf. sobre o assunto, Winfried
Schlüter, Das Obiter Dictum, Munique, 1973, p. 77 s). Embora possa haver
controvérsias sobre a distinção entre "ratio decidendi"
e "obter dictum", é certo que um critério menos impreciso indica
que integra a "ratio decidendi" premissa que não possa ser eliminada
sem afetar o próprio conteúdo da decisão (Cf. Schlüter,
op. cit., p 85).
Não tenho
a menor dúvida de que, neste caso, a maioria formada adotou uma premissa
incorreta quanto à distinção do caso em relação
à jurisprudência desta Corte, no sentido de que prevalece a
disposição de cláusula de acordo coletivo em face de
lei federal que dispõe de forma distinta sobre reajuste salarial.
Ao julgar o Recurso
Ordinário em Dissídio Coletivo, o Tribunal Superior do Trabalho
decidiu, nos seguintes termos (fls. 643):
"EMENTA: Dissídio coletivo de natureza jurídica
entrelaçado a dissídio coletivo de natureza econômica
- Pedido de interpretação de cláusula de convenção
coletiva atingida por legislação integrante de plano econômico
(Plano Collor I) - Inaplicabilidade de dispositivo assegurador de reajustes
salariais em função de índices afastados pela Lei 8.030/90
- Recurso ordinário ao qual se dá provimento"
Às fls. 645-653, o relator do TST, em seu voto, colocou
a controvérsia nos seguintes termos:
"Em que medida aquilo que os dois Sindicatos - o das empresas
e o dos empregados - pactuaram no mês de agosto de 1989 (época
da revisão das suas normas coletivas) vincularia definitiva e irremediavelmente
os seus representados? A ousada cláusula 4ª - cerne desta longa
controvérsia - estava sendo adotada como previsão das relações
salariais? Fixou direito a reajustes futuros das folhas de pagamento, quaisquer
que viessem a ser as transformações imprimidas por comandos
superiores no cenário da política econômica nacional,
afetando preços e salários?
A Constituição
de 1988, sob cujo pálio as partes negociaram o documento de fls. 39,
reconhece as convenções e acordos coletivos (art. 7º, inciso
XXVI), e obriga os sindicatos a participarem de negociações
coletivas (art. 8º, inciso VI). Segue-se daí que o conteúdo
das convenções pode se sobrepor às mudanças imprimidas,
mediante lei, à vida econômica?
Seria o referido
documento hábil para imunizar as partes signatárias contra
os abalos que subverteram a vida nacional, desde março de 1990, constituindo-se
num estudo ao redor das empresas e seus assalariados? Ou essa convenção
coletiva continha a clássica ressalva da cláusula rebus sic
stantibus, de tal sorte que as suas disposições prevaleceriam
sob a condição de a economia manter, nas suas linhas fundamentais,
os caracteres do momento em que foi lavrada?
Dois pontos do documento
merecem atenção, ao enfrentar estes problemas. O primeiro, contido
no parágrafo único do art. 4º, quando alude à manutenção
da política ali mencionada, 'na hipótese de nova lei que introduza
política salarial menos favorável', e o segundo quando, tratando
do período de vigência, fixa sua durabilidade em um ano, entre
1º de setembro de 1989 e 31 de agosto de 1990, mas completa referindo-se
expressamente à legislação em vigor.
Ora, o Sindicato
das empresas não se escuda em alteração de lei de política
salarial, porém nas transformações de política
econômica provocadas pelo Plano Collor I, integrado por 22 Medidas Provisórias,
iniciadas pela de nº 148, convertida na Lei nº 8.011, de 4 de abril
de 1990, entre as quais assumiram destaque especial as de nºs 154 e
168, transformadas, respectivamente, nas Leis 8.030 e 8.024."
Após apresentar o posicionamento doutrinário sobre
direito adquirido ao reajuste salarial pelo IPC ou índice equivalente,
mesmo consideradas as mudanças provocadas pelo Plano Collor I, concluiu
pela aplicação do disposto na Lei nº 8.030/90, embora
houvesse acordo firmado anteriormente.
O Sindicato dos
Trabalhadores nas Indústrias e Empresas Petroquímicas, Químicas,
Plásticas e Afins dos Estado da Bahia - SINDIQUÍMICA, em seu
recurso extraordinário, interposto com fundamento no art. 102, III,
"a", da Constituição Federal, no mérito, apontou a violação
do art. 7º, XXVI, "que garante o reconhecimento das convenções
coletivas de trabalho, que não podem ser desrespeitadas da forma com
que se procedeu no v. acórdão recorrido", do art. 5º,
XXXVI, porque "o acórdão recorrido desconsiderou que a convenção
coletiva em questão constitui-se em 'ato jurídico perfeito'"
e porque "a cláusula convencional é plenamente válida,
não estando em choque com qualquer dispositivo legal ou constitucional".
Assim, havendo uma
premissa incorreta no julgamento do recurso extraordinário, que deve
ser corrigida, acolho os embargos declaratórios interpostos por SINPER,
conferindo-lhes efeito modificativo do julgado, para assentar que não
há distinção entre este caso e os precedentes desta Corte.
Em conseqüência, nego seguimento ao recurso extraordinário
de SINDIQUÍMICA, para declarar que prevalece a lei federal superveniente,
que altera o padrão monetário e fixa nova política salarial,
em face de cláusula de acordo coletivo fixada sobre a matéria.
Quanto aos embargos
declaratórios interpostos por SINDIQUÍMICA - Sindicato dos
Trabalhadores nas Indústrias e Empresas Petroquímicas, Químicas
Plásticas e Afins do Estado da Bahia, acompanho o ilustre relator
e os rejeito.
* acórdão
pendente de publicação