RE-197807
Rel. Min. Octavio
Gallotti - DJ de 18.8.2000
Informativo 191
Licença-Maternidade e Adoção (v. Informativo
191) RE 197.807-RS* RELATOR: MIN. OCTAVIO GALLOTTI EMENTA: Não se
estende à mãe adotiva o direito à licença, instituído
em favor da empregada gestante pelo inciso XVIII do art. 7º, da Constituição
Federal, ficando sujeito ao legislador ordinário o tratamento da matéria.
Relatório: Discute-se nestes autos a aplicação do disposto
no art. 7o, XVIII, da Constituição (licença à
gestante, com a duração de cento e vinte dias), à hipótese
de adoção de menor, pela empregada, direito reconhecido em
favor da recorrida pelo Tribunal Regional do Trabalho da Quarta Região,
ante a seguinte fundamentação constante do voto da ilustre
Juíza Beatriz Brun Goldschmidt às fls. 26/31: "Trata-se na
espécie, de concessão, à reclamante, da licença-gestante
prevista no inciso XVIII do art. 7o da Constituição Federal.
Reitera, o reclamado, a alegação de que a autora não
tinha interesse e legitimidade para propor a ação cautelar,
em apenso, bem como a própria reclamatória, uma vez que detinha,
na época, somente a guarda e responsabilidade provisória da
criança, haja vista que, o seu processo de adoção, estava
ainda "sub judice". O segundo argumento do réu é no sentido
de que a norma constitucional se refere apenas à licença para
a gestante nada mencionando com relação à mãe
adotiva. Não assiste razão ao reclamado. A matéria foi
bem apreciada pelo Juízo de 1o grau, não merecendo reparo a
r. decisão. Sem razão, o réu, com relação
ao primeiro argumento. Consoante se observa da certidão de fl. 12 (proc.
em apenso) foi conferida à reclamante a guarda e responsabilidade da
menor Maura Tatiane, que, nos termos do art. 24 do Código de Menores,
confere, inclusive, à menor, a condição de dependente
para fins previdenciários. À fl. 25 encontra-se o ofício
do Juiz Regional de Menores que informa que a referida Adoção
Plena foi deferida em 08.8.89. Ao contrário do que entende o reclamado,
o fato da reclamante, quando do ajuizamento das ações (tanto
a cautelar como a principal), deter somente a guarda e responsabilidade provisória
da criança não constitui óbice para pleitear a referida
licença, eis que um dos objetivos desta norma constitucional é
direcionada a atender o recém nascido. Esperar os trâmites legais
pertinentes à Adoção Plena, para depois entrar com a
ação como entende o réu, seria ameaçar de perecimento
a própria finalidade da norma onde, repita-se, está em jogo
o direito do infante. Vale lembrar, por oportuno a lição de
GALENO LACERDA ("in" Comentários ao Código de Processo Civil,
vol. III, tomo I, 1a edição, pág. 382) no sentido de
que: "Acima da lógica formal de um processo abstrato e morto, pairam
as exigências da vida, a encher de sangue e calor o instrumento da
consciência do Juiz". No que tange ao segundo argumento, igualmente
não assiste razão ao reclamado. Há que se ter em mente,
inicialmente, que o direito é uma realidade dinâmica que está
em perpétuo movimento, acompanhando as relações humanas,
modificando-as, adaptando-as às novas exigências e necessidades
da vida. Abrange, pois, experiências histórias, sociológicas,
axiológicas, que se complementam. As normas, por mais completas que
sejam, são apenas uma parte do Direito. Pode-se dizer, pois, que o
Direito é lacunoso, sob o prisma dinâmico, já que se
encontra em constante mutação, eis que vive com a sociedade,
recebendo a cada momento o influxo de novos fatos, sendo impossível
conter, em si, prescrição normativa para todos os casos. Constatando-se,
portanto, a existência de lacuna jurídica surge o problema de
seu preenchimento. Foi o que ocorreu na espécie, onde, com acerto,
os Julgadores "a quo", usando a faculdade prevista no art. 8o da CLT, decidiram
o caso por analogia. A matéria em debate traz, em seu bojo, aspectos
nitidamente sociais, onde está em evidência a preocupação
com a criança. Aliás esta preocupação do Poder
Público exsurge da própria Carta Magna onde, em vários
artigos, se consignou expressamente o princípio de proteção
"à maternidade e à infância" com um direito fundamental
do indivíduo e da coletividade e num reconhecimento explícito
e incontestável de relação de interdependência
entre ambos. Veja-se, por exemplo, o "caput" do art. 6o onde tal proteção
é incluída dentre os direitos sociais. O art. 201, dispõe
sobre os planos de previdência social, dizendo que os mesmos, decorrentes
de contribuição, atenderão, nos termos da lei, a: I
- ...... II - proteção à maternidade....... Mais adiante,
no art. 203, I, ao tratar da assistência social, afirma que "será
prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição
à seguridade social, e tem por objetivos: I - a proteção
à família, à maternidade, à infância, à
adolescência e à velhice. Igualmente se verifica esse espírito
protetor, no art. 227: "É dever da família, da Sociedade e
do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta
prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação....."
O Estado do Rio Grande do Sul também revela esta preocupação
com o menor através da Lei nº 8.069/90, que dispõe sobre
o Estatuto da Criança e do Adolescente. Na subseção referente
à guarda, no art. 33, dispõe: "A guarda obriga à prestação
de assistência material, moral e educacional à criança
e ao adolescente... Parágrafo 3o - A guarda confere à criança
ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins
e efeitos de direito, inclusive previdenciários". Com propriedade,
observa a decisão de origem, que, com relação à
norma inserta no art. 7o, XVIII da Constituição Federal, há
que se buscar a verdadeira intenção do legislador Constituinte
que, com certeza, além de assegurar o direito à mãe
gestante, também visou principalmente proteger a criança recém-nascida,
a fim de proporcionar-lhe todas as condições necessárias
à adaptação ao mundo exterior. Despicienda, pois, a
assertiva do réu, haja vista que, o fato da mãe da criança
ser adotiva e não biológica não altera os encargos e
atenção com o recém-nascido. Sinale-se também
que o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União,
em seu art. 210 já prevê a licença à servidora
adotante o que demonstra, como salienta a decisão "a quo", a evolução
do direito social brasileiro. Por outro lado, é de se salientar que
o Direito de Família não distingue o filho legítimo
do adotado, atribuindo a este último a ficção de verdadeiro
filho. O Direito do Trabalho, por sua vez, que também guarda certa
similitude de protetividade Social, não poderia ficar alheio, impondo-se,
destarte, seja reconhecido à mãe adotiva as mesmas prerrogativas
atribuídas à mãe-gestante. No mesmo sentido encontramos
o voto de lavra do Eminente Juiz Dr. Antônio Salgado Martins (Proc.
TRT nº ADM 2074/89 - Pleno) "licença-gestante. Mãe adotiva.
Aplicação do inciso XVIII do art. 7o da Constituição
Federal. Não se faz distinção entre a mãe natural
e a adotiva para fins de gozo da referida licença, desde que concedida
dentro da época própria estebelecida em lei. Mantém-se,
pois, a decisão de origem." (fls. 27/31) Confirmando essa decisão,
afirmou o acórdão da Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho,
às fls. 78/9, em grau de agravo de instrumento: "De meritis, necessário
se faz definir o instituto da analogia que consiste exatamente em aplicar
à hipótese não prevista especialmente em lei a disposição
relativa a caso semelhante. Dessume-se, portanto, que, no caso sub examine,
corretíssima a aplicação do Enunciado nº 221, pois
não foi utilizado o citado verbete para afastar a violação
do Texto Constitucional, mas, tão-somente, indicar a interpretatividade
que reveste a matéria. A analogia por si só, afasta a hipótese
de violação literal. Assim, concluo restarem intactos os artigos
3o, do CPC e 7o, inciso XVIII, da Constituição Federal. No
tocante à afronta aos preceitos insculpidos nos incisos II, XXV, LIV
e LV, da Carta Magna, a alegação não impulsiona o apelo,
por falta do necessário prequestionamento. Ex positis, nego provimento
ao agravo." (fls. 78/9) Respondendo a embargos declaratórios do reclamado,
asseverou, ainda, a mesma Turma julgadora : "Inicialmente, convém
esclarecer ao patrono do demandado que preliminares argüidas, nas razões
do agravo de instrumento e que não foram objeto do recurso de revista,
são consideradas inovatórias, não merecendo qualquer
análise, mormente se considerarmos que o agravo não é
sucedâneo do apelo revisional. Por outro lado, o caráter procrastinatório
dos presentes embargos é patente na medida em que questiona o ora embargante
a decisão embargada, que concluiu pela inexistência de violação
literal dos temas constitucionais invocados, utilizando-se, para tanto, a
jurisprudência cristalizada no verbete 221. Rejeito os embargos." (fls.
88) Daí o presente recurso extraordinário, atacando, com base
nos itens XXXV, LIV e LV do art. 5o e no inciso IX do art. 93, ambos da Constituição,
a parte do acórdão que implicou a rejeição das
preliminares e, por contrariedade aos artigos 5o, II e 7o, VIII, o mérito
do julgado. Sob esse último aspecto, argumenta a petição
de interposição: "8.1. Afastou-se a violação
ao art. 5o, II, da CF/88 ao argumento de analogia. Entretanto, não
procede o argumento. 8.2. Vero que nada impede, sem ofensa ao princípio
da legalidade, decida o juiz com base na analogia. Entretanto, para que seja
possível o recurso a este meio interpretativo, mister se faz além
da lacuna da lei, que as mesmas razões que determinaram a edição
da norma se façam presentes. Ubi eadem ratio, ibi eadem iuris dispositio.
8.3. A ratio da licença-gestante está na necessidade biológica
do resguardo pós-parto. Evidentemente, não é o caso da
mãe adotiva. Não se sabe de nenhuma mulher que, após
adotar, tenha sentido as mesmas debilitações em que fica a
gestante logo após o parto. Onde, pois, residiria a identidade de
razões autorizativa do emprego da analogia? Wo? Niemand das weisst.
Não se sabe. Logo, não houve a analogia autorizada no ordenamento
jurídico pátrio, mas sim imposição de obrigação
ao recorrente sem anterior previsão em lei. A exigência da anterior
previsão em lei não existe para impedir que o julgador faça
justiça, mas sim para preservar o poder de auto-determinação
de cada um: a liberdade. E desta, anotou Hegel na sua Filosofia da História,
não só o cidadão, mas também o Estado é
sujeito ativo. Logo, esbatido o art. 5o, II, da CF/88. 8.4. A violência
ao art. 7o, XVIII, da CF/88 decorre de ter ele como ratio a debilitação
em que ficam as mulheres em função do trabalho de parto. Ora,
a mãe adotiva, em razão da adoção, não
fica no estado de debilitação da gestante. Assim, foi aplicada
a norma a fato sobre o qual ela não incide. A tanto equivale a sua
violação." (fls. 96/7) Indeferido o recurso na origem, subiram
os autos em virtude do provimento de agravo, vindo, então a opinar,
às fls. 125/7, o ilustre Subprocurador-Geral da República MIGUEL
FRAUZINO PEREIRA: "O recurso extraordinário, interposto com fulcro
no art. 102, III, a, e apontando ofensa aos arts. 5o, II, XXXV, LIV e LV,
7o, XVIII, e 93, IX, todos da Constituição da República,
impugna acórdão que reconheceu a mãe adotiva o direito
à licença à gestante, com duração de cento
e vinte dias, consagrada pelo texto constitucional. Argumenta o Estado-membro,
afora ter ocorrido violação dos dispositivos constitucionais
relativos ao devido processo legal - raciocínio sempre resultante,
diga-se, da suposta inobservância de regras de índole meramente
processual -, não ser cabível integrar à hipótese
de adoção por analogia, preceito da Carta Magna expressamente
dirigido à gestante, vale dizer, à maternidade biológica.
Registre-se que o art. 7o, XVIII, da Lei Maior, foi objeto de efetivo debate
e decisão na via ordinária, prequestionamento esse de cuja ausência
se ressentem os demais temas constitucionais aventados. E procede a irresignação.
Conquanto não se deva chegar ao extremo da noção revelada
pelo recorrente, segundo a qual a norma em questão teria por fundamento
único a "necessidade biológica de resguardo pós-parto"
(fls. 96) - mas, igualmente, a proteção à criança,
à família e ao próprio trabalho da mulher -, de sua
letra só é possível extrair, em rigor, como na ordem
constitucional pretérita (art. 165, XI), a idéia de "descanso
remunerado da gestante, antes e depois do parto, sem prejuízo do emprego
e do salário". As disposições do Estatuto Fundamental
respeitantes à família, à criança e ao adolescente,
embora ponderáveis, não autorizam, por si somente, interpretar
ampliativamente a regra da licença. Mister ressaltar não haver
impedimento à concessão de semelhante benefício à
mãe adotante, mediante lei ordinária, legitimada mesmo pelos
princípios inscritos na Constituição da República,
ou ainda por liberalidade da Administração ou do empregador,
como, aliás, veio dispor a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de
1990. Note-se, todavia, que o art. 210 do Regime Jurídico Único,
exatamente por se afigurarem distintos os eventos ora em discussão,
restringiu o período de licença remunerada, naquele caso, a
noventa dias. Portanto, afigura-se de todo impertinente, na espécie,
o trancamento do recurso de revista, com apoio no Enunciado nº 221,
da Súmula do Tribunal Superior do Trabalho. A interpretação
de preceito constitucional há de ser a melhor, na dicção
do Supremo Tribunal Federal, não aquela tida como razoável,
simplesmente. Diante dessas considerações, opino pelo conhecimento
e provimento do extraordinário, para que a revista seja regularmente
processada, no âmbito da Justiça Trabalhista." (fls. 125/7)
É o relatório. Voto: A exegese gramatical certamente não
merece as galas de um método definitivo ou conclusivo de interpretação,
mas serve para marcar os limites em que se possa perquirir o resultado dos
demais critérios de integração da norma jurídica.
No caso em exame, o direito à licença é vinculado ao
fato jurídico gestação, que não permite, segundo
penso, a extensão do benefício à hipótese do
ato de adoção. Fosse a referência constitucional, por
exemplo, simplesmente a "mãe" ou a "maternidade", poder-se-ia, ainda,
cogitar da assimilação da adotante à gestante. Não,
porém, segundo penso, quando especificada a primeira na norma aplicável.
Não há falar, por outro lado, em analogia, ante a diversidade
de uma e outra das situações acima enunciadas, sendo o caso
de simples inexistência de direito social constitucionalmente assegurado
e, dessa forma, relegado ao legislador ordinário, o tratamento da
matéria, oportunidade em que seria útil, ademais, prover a
fixação do prazo da licença e a limitação
da idade do menor, suscetível de ensejar o benefício. Assim
é que o art. 71 da Lei nº 8.213-91, aplicável aos segurados
do regime geral da Previdência, situa em 28 dias antes do parto o termo
inicial do salário-maternidade, e a Lei nº 8.112-90 (Regime Jurídico
dos Servidores da União), ao passo que concede cento e vinte dias
de licença à gestante (art. 207), diminui o afastamento para
noventa dias nas circunstâncias de adoção ou guarda judicial
(art. 210, caput), reduzindo-o, ainda mais, para trinta quando tenha a criança
mais de um ano de idade. E não vislumbro como se possa acoimar de
inconstitucionalidade alguma dessas restrições legais. Registro,
afinal, que não é indiscrepante a jurisprudência do Tribunal
Superior do Trabalho acerca do tema, como se depreende de ulterior acórdão
no Recurso de Revista nº 179.769, relator o eminente Ministro ALMIR
PAZZIANOTO PINTO: "Ementa: Licença gestante. Mãe Adotiva. Art.
7o, XVIII, da Constituição da República. A norma constitucional,
ao dispor sobre a licença gestante, garantiu benefício apenas
à mãe biológica, tendo como finalidade precípua
proteger a saúde da mãe do recém-nascido, nas semanas
que precedem o parto e nas que sucedem ao mesmo. De acordo com o disposto
na legislação ordinária (art. 71, da lei 8.213/91), o
salário maternidade é devido nos 28 (vinte e oito) dias anteriores
e nos 92 (noventa e dois) posteriores ao parto. A mãe adotiva, não
preenchendo o requisito indispensável para garantir a licença
gestante (a gravidez), não faz jus, consequentemente, à licença-maternidade.
Revista conhecida e não provida." (5ª Turma, em 8-5-96) Por contrariedade
ao disposto no art. 7o, XVIII, da Constituição, conheço
do recurso e dou-lhe provimento, para julgar improcedente a reclamação.
* acórdão publicado no DJ de 18.8.2000
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