RE 222334
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRABALHISTA. DIRIGENTE
SINDICAL. EXTINÇÃO DA
EMPRESA. GARANTIA DE EMPREGO: INEXISTÊNCIA. CF, ARTIGO 8º,
VIII.
É relativa a garantia provisória de emprego do dirigente
sindical.
2. Extinção da empresa e término da relação
empregatícia. Hipótese que não se refere à dispensa
imotivada ou arbitráriaprotegida pelo exercício de mandato
sindical.
3. A garantia constitucional assegurada ao empregado enquanto
no cumprimento de mandato sindical (CF, artigo 8º, VIII) não
se destina a ele propriamente dito, ex intuitu personae, mas sim à
representação sindical de que se investe, que deixa de existir,
entretanto, se extinta a empresa empregadora.
4. Alegação de existência de filiais do estabelecimento
extinto localizadas na mesma base territorial do sindicato representado.
Necessidade de comprovação de matéria de fato. Incidência
da Súmula 279 do STF e ausência de presquestionamento específico
do tema.
Recurso extraordinário que não se conhece.
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros
componentes da Segunda Turma do SupremoTribunal Federal, na conformidade
da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de
votos, não conhecer do recurso extraordinário.
Brasília, 30 de outubro de 2001.
NÉRI DA SILVEIRA - PRESIDENTE
MAURÍCIO CORRÊA - RELATOR
O SENHOR MINISTRO MAURÍCIO CORRÊA: Cuida-se de recurso
extraordinário fundamentado no artigo 102, III, a, da Constituição
Federal, em que se aponta ofensa aos artigos 5º, XXXV e LV e 8º,
VIII.
2. Ao ajuizar a reclamação trabalhista, o recorrente
pediu fosse declarada nula a rescisão de seu contrato de trabalho,
com a conseqüente reintegração ao emprego e reflexos decorrentes.
Está baseado o pleito no fato de ocupar cargo de dirigente sindical
e deter garantia provisória de emprego. A demissão teria decorrido
do encerramento das atividades do empregador na cidade em que trabalhava,
remanescendo, no entanto, outras agências da empresa dentro da jurisdição
do sindicato para onde poderia ser
transferido (fls.
01/05).
3. O juízo de primeiro grau julgou procedente a ação,
sob o argumento de que a extinção do estabelecimento não
é causa suficiente para o rompimento do vínculo empregatício,
devendo ser resguardado o exercício da representatividade sindical,
mesmo ausente atividade laborativa (fls. 65/67).
4. O Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, negou
provimento ao recurso ordinário do empregador, em que sustentou
que a única
hipótese de despedida do dirigente sindical é a da ocorrência
de justa causa, apurada na forma da lei (fls. 91/92).
5. No Tribunal a quo, a 5ª Turma não conheceu do recurso
de revista por não presenciar os vícios indicados pela empresa,
aduzindo ter havido interpretação razoável dos preceitos
legais aplicados.
6. Ao julgar os embargos opostos pelo recorrido, a Subseção
Especializada em Dissídios Individuais rejeitou a preliminar de nulidade
por negativa de prestação jurisdicional, conhecendo o apelo
por violação ao artigo 543, § 3º, da CLT.
7. No mérito, deu-lhe provimento, por entender que a extinção
da empresa implica no término automático da relação
de emprego, de modo a esvaziar o conteúdo da estabilidade e que o
inquérito judicial é exigível apenas quando do rompimento
do vínculo empregatício em face da ocorrência de falta
grave, não se equiparando à situação de encerramento
das atividades do estabelecimento empregador.
8. O recorrente opôs embargos de declaração,
nos quais se rejeitou a alegação de afronta aos incisos XXXV
e LV, da Constituição, ficando assentada a possibilidade de
julgamento imediato da matéria objeto da revista não conhecida
pela Turma, dado que verificada literal violação de lei federal,
tudo em conformidade com o artigo 260 do Regimento Interno do Tribunal a
quo.
9. Da mesma forma, expungiu-se da condenação o pedido
de reintegração, tendo em vista não persistirem mais
os efeitos da estabilidade com a extinção da empresa empregadora.
10. Nas razões do recurso extraordinário, entende
o recorrente que o julgamento imediato do apelo pela Subseção
Especializada suprimiu a apreciação do mérito da revista
pela Turma, impedindo sua ampla defesa. Afirma, ainda, que não houve
a devida prestação jurisdicional. A seguir, quanto ao mérito,
pretende que a garantia de que trata o inciso VIII do artigo 8º da Constituição,
não comporta exceções, sendo que o fechamento de filial
não é causa suficiente para o rompimento do vínculo
empregatício.
11. Admitido na origem, subiram os autos a esta Corte (fls. 176/179).
12. O Ministério Público Federal opina pelo não-
conhecimento do recurso, por entender que a extinção da empresa
revela causa suficiente a justificar o fim da estabilidade provisória,
não sendo o caso de ocorrência de violação ao
artigo 8º, VIII, da Constituição Federal (fls. 194/197).
É o relatório.
O SENHOR MINISTRO MAURÍCIO CORRÊA (Relator): Os preceitos
invocados no recurso extraordinário foram devidamente debatidos ao
longo da tramitação do feito nas instâncias ordinárias
e constam do acórdão recorrido (fls. 148/15), complementado
às fls. 160/162. Preenchidos os requisitos de admissibilidade e havendo
prequestionamento dos temas constitucionais, passo ao exame da controvérsia.
2. Quanto à preliminar de ausência de prestação
jurisdicional e pretensa violação ao artigo 93, inciso IX,
da Constituição Federal, não prospera o inconformismo
do recorrente. No julgamento dos embargos de declaração, o
ato impugnado afastou o pedido de reintegração e seus consectários,
por entender que a extinção da empresa pôs fim ao emprego.
3. Assim sendo, é de ver-se que o acórdão
recorrido decidiu a questão tida como omissa, embora contrariamente
à pretensão do recorrente, o que não significa falta
de fundamentação.
4. No que tange aos incisos XXXV e LV do artigo 5º da Constituição,
verifico não terem sido eles infringidos, porquanto, setal tivesse
se dado, seria de forma indireta.
5. Mesmo em se tratando de preceitos constitucionais, a sua realização
não pode prescindir do cumprimento de regras infraconstitucionais
elaboradas exatamente para dar-lhes efetividade, tornando-se indispensável,
primeiramente, a superação dos recursos cabíveis interpostos,
como na espécie se deu com os embargos e a revista (CLT, artigos 894
e 896).
6. Especificamente sobre o tema, a jurisprudência desta
Corte vem, reiteradamente, decidindo que em matéria estrita de natureza
processual, as alegações de afronta aos princípios do
devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, entre outros,
apenas podem configurar ofensa reflexa ao Texto Constitucional, o que obsta
o conhecimento do recurso extraordinário (AGRAG 290.210/SC, CELSO
DE MELLO, DJU de 30/03/2001).
7. Por outro lado, inexiste qualquer outro vício no procedimento
adotado perante o Tribunal a quo. É que os embargos previstos na legislação
trabalhista, têm por objetivo apenas uniformizar a jurisprudência
das Turmas do TST, não havendo grau de jurisdição entre
essas e as Seções Especializadas encarregadas de julgar a revista.
8. No presente caso, o mérito do recurso foi enfrentado
de forma plena em ambas as esferas internas do Tribunal, tendo uma rejeitado
a alegação de violação legal, tida por presente
na outra, pressupostos que no caso se confundem com a própria matéria
de fundo. Trata-se, convém esclarecer, de hipótese distinta
daquela em que não conhecida a revista por ausência de pressupostos
de admissibilidade, afastado o óbice, devem os autos retornar à
Turma para pronunciar-se sobre a questão específica.
9. Com relação à extensão da garantia
de emprego do dirigente sindical, o tema, regulado inicialmente pelo §
3º do artigo 543 da CLT, foi alçado à instância
constitucional, dispondo o inciso VIII do artigo 8º da Constituição
Federal, verbis:
"Art. 8º - É livre a associação profissional
ou sindical, observado o seguinte:
(...)
VIII - é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a
partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação
sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após
o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei."
10. É de conhecimento geral que no Brasil, e de resto no
mundo, as entidades de trabalhadores e empregadores se associam em organismos
sindicais para a defesa dos interesses das respectivas categorias. O empregado,
pois, enquanto dirigente sindical, encontra-se vinculado ao funcionamento
e administração da entidade de classe, observados seus objetivos
institucionais, tendo
resguardada a autonomia
de sua atuação.
11. Por outro lado, infere-se do sistema de organização
e atividades dessas entidades, que a finalidade da garantia provisória
de emprego tem assento primordial na atuação do dirigente sindical,
na defesa dos interesses da categoria, preservando-o das restrições
que pudesse sofrer no exercício da função.
12. Por isso mesmo, a estabilidade constitucional relaciona-se
particularmente com a atividade da representação sindical em
si mesma e não com o empregado. Em outras palavras, a norma não
tem como destinatária a pessoa do empregado, como tal, mas a atividade
sindical por ele exercida. Aliás, não é outro o entendimento
da doutrina, verbis:
"A finalidade da garantia é proteger o interesse da categoria
profissional, vale dizer, o do conjunto dos associados do Sindicato dentro
da empresa. Esse objetivo que adquire relevo no que toca aos membros de diretorias
sindicais, imprime ao instituto em análise um marcado interesse coletivo
ou social e torna o grupo organizado de trabalhadores o verdadeiro beneficiário
da garantia" (Alfonso Guzman, apud Octávio Bueno Magano, "Organização
Sindical Brasileira", Ed. Revista dos Tribunais, 1981, pag. 75 - no mesmo
sentido o autor da obra).
13. Sob essa ótica, coloca-se em evidência que a
regra proibitiva de dispensa imotivada ou arbitrária tem como pressuposto
a proteção do empregado contra as eventuais represálias
e retaliações do empregador quando, máxime, sua atuação
contrariar os interesses internos da própria empresa ou mesmo da categoria
como um todo.
14. Analisando essa disposição (CF, artigo 8º,
VIII) sob o ponto de vista teleológico e à luz da mens legis,
é de reconhecer-se que tal garantia não é absoluta.
Comporta, por isso, exceções, como é o caso de falta
grave – situação expressamente prevista – e outras, que por
inviabilizarem a manutenção da representatividade sindical
implicam, por via oblíqua, a extinção da estabilidade.
São as hipóteses, por exemplo, do fim da relação
de emprego por iniciativa do próprio empregado, da renúncia
deste ao mandato, do fechamento da entidade de classe ou, como, no presente
caso, da extinção da empresa empregadora.
15. Como assentado no acórdão atacado, o fato é
que com a extinção da empresa, também desapareceu, como
resultante, o próprio empregador e, por conseqüência lógica,
a própria relação material de emprego.
16. Ora, não havendo mais o trabalho, base da relação
de emprego, não há como falar-se em ausência de pagamento
de salário, e, obviamente, impossível sustentar a continuidade
do liame empregatício, esgotando-se o fundamento básico da
estabilidade, sob pena de admitir-se efeito sem causa, qual seja, a própria
existência de relação de emprego.
17. A norma é claramente direcionada ao empregador, ao
vedar-lhe a dispensa, por sua iniciativa, do empregado dirigente sindical,
salvo na hipótese de justa causa. Não exclui, no entanto, outras
situações de término da relação de emprego,
como visto antes.
18. De observar-se que a legislação ordinária
considera licença não remunerada o tempo em que o empregado
não estiver trabalhando para a empresa, em razão do desempenho
das funções sindicais (CLT, artigo 543, § 2º). Inaceitável,
assim, por avultar a razoabilidade e perpetrar o enriquecimento sem causa,
condenação do recorrido ao pagamento dos salários correspondentes
ao período do mandato sindical, pois sequer haverá, por impossibilidade
material, a contraprestação de trabalho
ínsito ao
ajuste bilateral da relação de emprego.
19. Na mesma trilha o autorizado ensinamento de Sérgio
Pinto Martins, verbis :
"A extinção do estabelecimento implica o encerramento
da atividade sindical na empresa. A garantia de emprego é deferida
com esse fim. Só existe na vigência da relação
de emprego. Se deixa de haver empregador, a garantia de emprego desaparece.
O benefício é coletivo, da categoria, e não individual,
do dirigente. Não é devida a garantia de emprego do período
restante ao dirigente sindical, nem o pagamento de indenização,
pois não há previsão expressa da aplicação
dos artigos 497 e 498, da CLT" ("Comentários à CLT", 4ª
ed., editora Atlas, 2001, pág. 568).
20. Induvidoso que o fim da relação de emprego não
ocorreu por iniciativa do empregador, mas sim por outras circunstâncias,
as quais levaram à sua extinção, o que tornou inviável
a manutenção da relação empregatícia,
situação não abrangida pela norma constitucional em
se que funda o recurso.
21. Finalmente, verifico que embora o acórdão recorrido
tenha se limitado a afirmar a extinção da empresa, é
fato que tal não ocorreu de forma absoluta, estando a instituição
bancária recorrida, inclusive, em processo de liquidação
extrajudicial (CPC, artigo 334, I). Houve, em verdade, a cessação
das atividades empresariais no estabelecimento em que trabalhava o empregado.
22. O caso dos autos, no entanto, em nada altera esse cenário,
pois ainda que remanescentes outras agências ou filiais da empresa
por ocasião da dispensa do empregado, não há elementos
fáticos (Incidência da Súmula 279 do STF), ao menos alcançáveis
no atual momento processual, que indiquem a sua existência na base
territorial do sindicato, de forma a garantir o emprego e a efetividade da
atuação sindical. Competia-lhe sanar a omissão, por
meio de embargos declaratórios, mas quedando-se inerte, restou preclusa
a questão, por ausência de prequestionamento (Súmula
356).
23. Esse entendimento, com o qual me ponho de acordo, está
hoje assentado na Orientação Jurisprudencial da Corte Superior
do Trabalho, na sua Subseção Especializada em Dissídios
Individuais-1, segundo a qual a extinção da atividade empresarial
no âmbito da base territorial do sindicato torna inubsistente a estabilidade.
24. Em resumo, a garantia provisória de emprego do dirigente
sindical, disciplinada no artigo 8º, VIII, da Constituição
Federal, não traduz norma assecuratória intuitu personae, destinada
ao empregado propriamente, mas sim à representação sindical,
objetivo frustrado com a extinção da empresa e, por decorrência,
do próprio vínculo de trabalho.
Ante essas circunstâncias, não conheço do
recurso extraordinário.
Decisão: Por unanimidade, a Turma não conheceu do
recurso extraordinário. Falou, pelo recorrido, o Dr. Hélio
Carvalho Santana. Ausentes, justificadamente, neste julgamento, os Senhores
Ministros Celso de Mello e Carlos Velloso. 2a. Turma, 30.10.2001.
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