RE-220906
RELATOR - MIN. MAURÍCIO
CORRÊA
Informativo 210
Empresa Pública e Penhora de Bens - RE 220.906-DF* RELATOR
: MIN. MAURÍCIO CORRÊA Relatório: A 8ª Junta de
Conciliação e Julgamento do Tribunal Regional do Trabalho da
10ª Região julgou procedente a reclamação trabalhista
proposta pelo ora recorrido ISMAR JOSÉ DA COSTA contra a EMPRESA BRASILEIRA
DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT. 2. Elaborada a conta de liquidação,
citou-se a requerida para que efetuasse o pagamento do quantum a que fora
condenada, sob pena de penhora. 3. A ECT, afirmando ser empresa pública
federal criada pelo Decreto-lei nº 509, de 20 de março de 1969,
com privilégios equivalentes aos da Fazenda Pública "em relação
à imunidade tributária, direta ou indireta e impenhorabilidade
de seus bens, rendas e serviços", pediu ao juízo da execução
que determinasse o recolhimento do mandado de citação e que
outro fosse expedido em conformidade com o disposto nos artigos 730 e 731
do Código de Processo Civil. O pleito foi indeferido sob o argumento
de que à requerida não se aplicava o preceito do artigo 100
da Constituição Federal. 4. A decisão que rejeitou os
embargos opostos à execução deu ensejo ao agravo de
petição a que a Primeira Turma da Corte Regional negou provimento
por entender que, nos termos do artigo 173, § 1º, da Constituição
Federal, as empresas públicas sujeitam-se ao regime próprio
das empresas privadas. 5. Inconformada, a Empresa Brasileira de Correios
e Telégrafos protocolizou recurso de revista sustentando verificar-se
divergência entre as Turmas do Tribunal Regional do Trabalho quanto
ao privilégio da impenhorabilidade dos bens de empresas públicas.
O recurso tivera negado o seguimento em face do Enunciado nº 266 do
Tribunal Superior do Trabalho, segundo o qual "a admissibilidade do recurso
de revista contra acórdão proferido em agravo de petição,
na liquidação de sentença ou em processo incidente na
execução, inclusive os embargos de terceiro, depende da demonstração
inequívoca de violência direta à Constituição
Federal". 6. Ao agravo de instrumento protocolizado contra essa decisão,
negou-se provimento. 7. Ainda não resignada, a agravante deduziu o
presente recurso extraordinário, com fundamento no artigo 102, III,
"a", da Constituição Federal, no qual alega terem sido violados
os artigos 5º, incisos II e LIV, 100 e 165, § 5º, todos da
mesma Carta. 8. Esclarece a recorrente que a sua pretensão cinge-se
a que a requisição de seus débitos se faça por
meio de precatório. 9. Sustenta, ainda, que a teor do artigo 6º
do Decreto-lei nº 509/69 não há como deixar de se observar
o instituto do precatório (CF, artigos 100 e 165) e as normas processuais
alusivas à execução contra a Fazenda Pública.
10. O recurso foi admitido na origem e após processado subiu a esta
Corte. 11. O Ministério Público Federal, às fls. 73/76,
opina pelo não-conhecimento do extraordinário. É o relatório.
Voto: A recorrente é empresa pública criada pelo Decreto-Lei
nº 509, de 10 de março de 1969, com capital constituído
integralmente pela União Federal (art. 6º), gozando de privilégios
equivalentes aos da Fazenda Pública. 2. Preceitua o artigo 12 do Decreto-lei
nº 509/69, verbis: "A ECT gozará de isenção de
direitos de importação de materiais e equipamentos destinados
aos seus serviços, dos privilégios concedidos à Fazenda
Pública, quer em relação a imunidade tributária,
direta ou indireta, impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços,
quer no concernente a foro, prazos e custas processuais." 3. No caso sub
examine trata-se de pessoa jurídica equiparada à Fazenda Pública,
que explora serviço de competência da União (CF, artigo
21, X). 4. Assinalo que a Primeira Turma desta Corte já se manifestou
sobre a matéria por ocasião do julgamento do RE nº 100.433-RJ,
de que foi relator o eminente Ministro SYDNEY SANCHES, em acórdão
assim ementado, verbis: "EMENTA: EXECUÇÃO FISCAL. Impenhorabilidade
de bens de empresa pública (ECT) que explora serviço monopolizado
(§ 3º do art. 170 da Constituição Federal - EC-01/69),
reservado exclusivamente à União (art. 8º, inciso XII,
da Constituição Federal - EC-01/69). Recurso extraordinário
não conhecido." (RTJ 113/786) 5. Observo que o referido precedente
foi julgado à luz da Carta pretérita (EC-01/69, artigos 8º,
XII, e 170, § 3º). Contudo, a disciplina da matéria não
foi alterada com a promulgação da Constituição
de 1988, permanecendo íntegra a competência da União Federal
para manter o serviço postal e o Correio Aéreo Nacional (CF,
artigo 21, X), bem como a regra para exploração de atividade
econômica por empresa pública (CF, artigo 173, caput e §
1º). 6. Dispõe o artigo 173, caput, da Carta Federal, que "ressalvados
os casos previstos nesta Constituição, a exploração
direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida
quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a
relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei". Em seu § 1º
reza que "a empresa pública, a sociedade de economia mista e outras
entidades que explorem atividade econômica sujeitam-se ao regime próprio
das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações
trabalhistas e tributárias". Daí não há como
se inferir que seja dispensável a expedição de precatórios
nas execuções contra empresas públicas que exerçam
atividade tipicamente estatal. 7. Note-se que as empresas prestadoras de
serviço público operam em setor próprio do Estado, no
qual só podem atuar em decorrência de ato dele emanado. Assim,
o fato de as empresas públicas, as sociedades de economia mista e
outras entidades que explorem atividade econômica estarem sujeitas
ao regime jurídico das empresas privadas não significa que
a elas sejam equiparadas sem qualquer restrição. Veja-se, por
exemplo, que, em face da norma constitucional, as empresas públicas
somente podem admitir servidores mediante concurso público, vedada
a acumulação de cargos. No entanto, tais limitações
não se aplicam às empresas privadas. 8. Há ainda que
se indagar quanto ao alcance da expressão "que explorem atividade econômica...",
contida no artigo 173, § 1º, da Constituição Federal.
Preleciona José Afonso da Silva, in "Curso de Direito Constitucional
Positivo", 12ª Edição, Revista, 1996, págs. 732
e seguintes, que o tema da atuação do Estado no domínio
econômico exige prévia distinção entre serviços
públicos, especialmente os de conteúdo econômico e social,
e atividades econômicas. Enquanto a atividade econômica se desenvolve
no regime da livre iniciativa sob a orientação de administradores
privados, o serviço público, dada sua natureza estatal, sujeita-se
ao regime jurídico do direito público. 9. Conclui o eminente
jurista que "a exploração dos serviços públicos
por empresa estatal não se subordina às limitações
do art. 173, que nada tem com eles, sendo certo que a empresa estatal prestadora
daqueles e outros serviços públicos pode assumir formas diversas,
não necessariamente sob o regime jurídico próprio das
empresas privadas", já que somente por lei e não pela via contratual
os serviços são outorgados às estatais (CF, artigo 37,
XIX). Assim, não se aplicam às empresas públicas, às
sociedades de economia mista e a outras entidades estatais ou paraestatais
que explorem serviços públicos a restrição contida
no artigo 173, § 1º, da Constituição Federal, isto
é, a submissão ao regime jurídico próprio das
empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas
e tributárias, nem a vedação do gozo de privilégios
fiscais não extensivos às do setor privado (CF, artigo 173,
§ 2º). 10. A interferência do Estado na ordem econômica
está consagrada nos artigos 173 e 174 da Constituição
Federal: o próprio Estado, em casos excepcionais, atua empresarialmente
no setor, mediante pessoas jurídicas instituídas por lei para
tal fim; o Estado, como agente normativo e regulador, fiscaliza, incentiva
e planeja a atividade econômica. 11. Desse modo, os princípios
gerais que informam a distribuição de atividades entre o Estado
e a iniciativa privada resultam dos princípios da participação
estatal na economia e da subsidiariedade, em seus aspectos suplementar e
complementar à iniciativa privada. 12. Em obediência a esses
princípios a atividade econômica estatal exsurge nos serviços
públicos, nos serviços públicos econômicos e nos
de interesse geral, donde a possibilidade de o Estado (CF, artigo 173) monopolizar
os serviços públicos específicos, os de interesse geral
e ainda os econômicos, por motivo de segurança nacional ou relevante
interesse coletivo. Vê-se, pois, que a legitimidade da participação
do Estado na economia se fundamenta em três conceitos fundamentais:
segurança nacional, serviço público econômico e
interesse público. 13. A Constituição Federal, em seu
artigo 173, cuida da exploração direta de atividade econômica
pelo Estado. A respeito da matéria escreveu o constitucionalista CELSO
RIBEIRO BASTOS que "por tais atividades deve entender-se toda função
voltada à produção de bens e serviços, que possam
ser vendidos no mercado, ressalvada aquela porção das referidas
atividades que a própria Constituição já reservou
como próprias do Estado, por tê-las definido como serviço
público nos termos dos incisos XI e XII do artigo 21 do Texto Constitucional.
Ou então quando forem reservadas a título de monopólio
da União (CF, art. 177). Tal circunstância é que justifica
a inserção da cláusula "ressalvados os casos previstos
nesta Constituição" (Comentários à Constituição
do Brasil, 7º v, p. 75). 14. Assim, a exploração de atividade
econômica pela ECT -Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos
não importa sujeição ao regime jurídico das empresas
privadas, pois sua participação neste cenário está
ressalvada pela primeira parte do artigo 173 da Constituição
Federal ("Ressalvados os casos previstos nesta Constituição..."),
por se tratar de serviço público mantido pela União
Federal, pois seu orçamento, elaborado de acordo com as diretrizes
fixadas pela Lei nº 4.320/64 e com as normas estabelecidas pela Lei
nº 9.473/97 (Lei de Diretrizes Orçamentárias), é
previamente aprovado pelo Ministério do Planejamento e Orçamento
- Secretaria de Coordenação e Controle das Empresas Estatais,
sendo sua receita constituída de subsídio do Tesouro Nacional,
conforme extrato do Diário Oficial da União acostado à
contra-capa destes autos. Logo, são impenhoráveis seus bens
por pertencerem à entidade estatal mantenedora. Ante o exposto, tenho
como recepcionado o Decreto-lei nº 509/69, que estendeu à Empresa
Brasileira de Correios e Telégrafos os privilégios conferidos
à Fazenda Pública, dentre eles o da impenhorabilidade de seus
bens, rendas e serviços, devendo a execução fazer-se
mediante precatório, sob pena de vulneração ao disposto
no artigo 100 da Constituição de 1988. Por conseguinte, conheço
do recurso extraordinário e dou-lhe provimento. * acórdão
pendente de publicação
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