TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO

RESOLUÇÕES

NÚMERO ÚNICO PROC: RR - 166888/2006-998-02-00

PUBLICAÇÃO: DJ - 05/05/2006


A C Ó R D Ã O (Ac. 5ª Turma)

EC 45/2004. AMPLIAÇÃO DA COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. MANUTENÇÃO DA COMPETÊNCIA HIERÁRQUICA DOS TRIBUNAIS PARA APRECIAR RECURSOS CONTRA SENTENÇAS PROFERIDAS NO ÂMBITO DAS RESPECTIVAS JURISDIÇÕES. COMPETÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA PARA OS RECURSOS ESPECIAL QUE NAQUELA CORTE AGUARDAVAM EXAME. CONFLITO DE COMPETÊNCIA SUSCITADO DE OFÍCIO.
1.Fixada a competência pela propositura da ação, ela só se desloca de órgão jurisdicional originariamente competente para o exame da causa se houver supressão do referido órgão, alteração de sua competência material ou de sua competência hierárquica (CPC, art. 87).
2.A competência em razão da matéria é sempre originária, porque determina, como ponto de partida, qual órgão jurisdicional que primeiro conhecerá da causa. De outra sorte, a competência recursal, atribuída aos Tribunais, é competência hierárquica, não afetada pela Emenda Constitucional 45/2004.
3.Portanto, tendo a EC 45/2004 promovido alteração da competência em razão da matéria, apenas os processos que se encontram no primeiro grau da Justiça Comum, sem que ainda tenha sido proferida sentença, é que se deslocam para a Justiça do Trabalho, com a conseqüente remessa desses processos para as Varas do Trabalho no âmbito territorial de suas jurisdições.
4.A competência recursal dos Tribunais, por se tratar de competência hierárquica, não foi afetada pela EC 45/2004, de sorte que os processos na Justiça Comum (Estadual, do DF, ou Federal) nos quais já houve prolação de sentença, têm, nos Tribunais de Justiça Estaduais e do Distrito Federal, nos Tribunais Regionais Federais e no Superior Tribunal de Justiça, seus juízos naturais.
5.Conflito de Competência que se suscita de ofício para determinar a remessa dos presentes autos ao Supremo Tribunal Federal.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-166.888/2006-998-02-00.2, em que é Recorrente CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA AGRICULTURA e Recorridos EUGÊNIO GUIDO E OUTRO. Trata-se de feito originário do Superior Tribunal de Justiça onde tramitou como Recurso Especial, o qual o STJ houve por bem encaminhá-lo a esta Corte para prosseguimento, por força da Emenda Constitucional 45/2004 (de aplicação imediata), com a qual a Justiça do Trabalho teve sua competência material ampliada. O Tribunal de Justiça de São Paulo deu parcial provimento à Apelação interposta por Eugênio Guido e Outro réus na ação cível -, mediante a qual pretendiam livrar-se do pagamento da contribuição sindical rural. O Tribunal, após afastar as preliminares de irregularidade de representação da autora e de ilegitimidade ativa, no mérito, limitou a multa moratória e atualização monetária aos percentuais previstos no art. 2º da Lei 8.022/90, entendendo que referida lei, por ser posterior, revogou tacitamente a previsão contida no art. 600 da CLT (acórdão de fls. 18/25, complementado pelo de fls. 36/37). A Confederação Nacional de Agricultura, autora da ação de cobrança de contribuição sindical rural, interpôs Recurso Especial pretendendo a aplicação do art. 600 da CLT, que aponta violado ao argumento, em síntese, que a Lei 8.022/90 é impertinente à hipótese. Colaciona arestos para o confronto de teses. Ao Recurso Especial foi denegado seguimento na origem mediante despacho de fls. 97/101 e contra o qual foi interposto Agravo de Instrumento, ao final provido em decisão de fls. 110 para exame do Recurso Especial. Mediante decisão de fls. 116, o relator do Recurso Especial no STJ, Ministro Teori Albino Zavaski, determinou a remessa daquele recurso para esta Corte, considerando o deslocamento da competência da Justiça do Trabalho por força da Emenda Constitucional nº 45/2004. Dessa decisão, interpôs Agravo a Confederação Nacional de Agricultura (fls. 118/122), ao qual foi negado provimento pela Primeira Turma daquela Corte em acórdão de fls. 124/126, publicado em 01/08/2005 (certidão de fls. 129) tendo transcorrido, sem qualquer manifestação das partes, o prazo recursal (certidão de fls. 130). Foram então recebidos os presentes autos nesta Corte em 27/09/2005 (fls. 131), registrados e autuados como Recurso de Revista vieram-me conclusos, como relator, por força da distribuição do dia 31/03/2006. Verifico que não foram oferecidas contra-razões ao Recurso Especial. O Recurso não foi submetido a parecer do Ministério Público do Trabalho.

É o relatório.

V O T O


1. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO PARA EXAME DE RECURSOS ESPECIAIS REMETIDOS PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. EMENDA CONSTITUCIONAL 45/2004. CONFLITO DE COMPETÊNCIA SUSCITADO DE OFÍCIO. Suscito a presente preliminar por entender que o Tribunal Superior do Trabalho não tem competência para o exame dos Recursos Especiais interpostos perante o Superior Tribunal de Justiça e remetidos para esta Corte por força da Emenda Constitucional 45/2004. Conforme relatado, trata-se de feito originário do Superior Tribunal de Justiça onde tramitou como Recurso Especial, o qual o STJ houve por bem encaminhá-lo a esta Corte para prosseguimento, por força da Emenda Constitucional 45/2004 (de aplicação imediata), com a qual a Justiça do Trabalho teve sua competência material ampliada. Ao afirmar faltar a esta Corte competência para o exame de Recursos Especiais que aqui chegam por força da Emenda Constitucional 45/2004, refiro-me à ausência de competência hierárquica, esta sem qualquer alteração pela referida emenda constitucional, de sorte que os Recursos Especiais devem permanecer no STJ até trânsito em julgado, conforme passo a demonstrar. Competência, a par do clássico enunciado de João Mendes definindo-a como medida de jurisdição, constitui critério de organização judiciária, ou, nas palavras de José Augusto Rodrigues Pinto é a própria Jurisdição organizada para alcançar a eficiência de seu exercício. O legislador processual civil, nessa linha, remete a atribuição da competência funcional dos Tribunais a normas de organização judiciária:

Art. 93. Regem a competência dos tribunais as normas da Constituição da República e de organização judiciária. A competência funcional dos juízes de primeiro grau é disciplinada neste Código. E, efetivamente, trata a competência de critério de organização judiciária por se dividir em classificação orientada para a atividade dos órgãos jurisdicionais, sendo tranqüila sua divisão em quatro categorias:

a)competência em razão da matéria (ou material);

b)competência hierárquica (ou funcional);

c)competência territorial;

d)competência em razão da pessoa.

Para o fim a que ora se destina o exame dessa classificação justificar o conflito de competência que se suscita interessa, mais de perto, as competências em razão da matéria e a hierárquica. É indene de dúvida que a Emenda Constitucional 45/2004 promoveu, no âmbito da Justiça do Trabalho, ampliação da competência em razão da matéria. Todavia, a competência do Tribunal Superior do Trabalho para o exame de Recursos de Revista interpostos contra acórdão proferidos pelos Tribunais Regionais em sede de dissídios individuais insere-se na competência hierárquica, inscrita no art. 896 da CLT, intocada pela denominada Reforma do Judiciário promovida pela referida emenda. Da mesma maneira, permaneceu o STJ com a competência para o exame dos Recursos Especiais interpostos contra acórdãos proferidos no âmbito dos dissídios que tramitavam nos Tribunais de Justiça Estaduais e do Distrito Federal e nos Tribunais Regionais Federais.

Efetivamente, a competência recursal dos Tribunais é espécie de competência hierárquica.

Assim discorre Humberto Theodoro Júnior a respeito do tema:

§28. Competência Funcional

Conceito. Refere-se a competência funcional à repartição das atividades jurisdicionais entre os diversos órgãos que devam atuar dentro de um mesmo processo.

Uma vez estabelecido o juízo competente para processamento e julgamento de uma determinada causa, surge o problema de fixar quais serão os órgãos jurisdicionais que haverão de funcionar nas diversas fases do respectivo procedimento, visto que nem sempre um só órgão terá condições de esgotar a prestação jurisdicional. Basta lembrar (...) a fase recursal, que normalmente desloca a competência de um órgão inferior para outro superior O autor, prosseguindo em suas lições, classifica a competência funcional segundo as fases do procedimento, pelo objeto do juízo e pelo grau de jurisdição, assinalando com espécie deste último a competência recursal.

A doutrina não diverge a respeito do assunto, designando a competência recursal como espécie da competência hierárquica: A competência funcional, como a própria denominação indica, implica na atribuição de competência para o exercício de determinadas funções entre vários juízos, na mesma relação processual. Isto significa que, no mesmo processo, funcionam diversos juízos sucessivamente e não simultaneamente. Essa atuação dá-se em fases distintas da relação processual sujeita ao mesmo grau de jurisdição ou em fases distintas do processo perante juízos com graus de jurisdição diversos. (...) A segunda hipótese de competência funcional pelas fases do processo perante juízos de grau de jurisdição diversos é exemplificada através da figura dos recursos.

Em face da adoção pelo nosso sistema da regra do duplo grau de jurisdição e da colegialidade dos órgãos componentes da instância ad quem, a ação processa-se em primeiro grau de jurisdição, cabendo aos tribunais a função de reexame do decidido através dos meios impugnação cujos protótipos são os recursos. Assim, a distribuição de tarefas entre juízes e tribunais compõe a denominação competência hierárquica ou funcional ou, ainda, competência funcional hierárquica. A competência funcional hierárquica pressupõe que o tribunal tenha competência que o tribunal tenha competência territorial e material para aquela causa

Tanto a competência em razão da matéria como a competência hierárquica são competências absolutas e improrrogáveis, razão pela qual são suscitadas de ofício, consoante é possível se concluir da dicção dos arts. 102, 111, 112, 113, todos do CPC.

Como harmonizar a competência em razão da matéria e a competência hierárquica na presente hipótese, considerando-se que a competência funcional hierárquica pressupõe a material? A competência em razão da matéria é sempre originária, porque determina, como ponto de partida, qual órgão jurisdicional que primeiro conhecerá da causa. A partir de então, para os juízos ad quem, superada a questão da competência originária, de índole material, importa fixar os demais juízos, que pelas atribuições que também são chamados a desenvolver no processo, têm competência de natureza funcional. Da doutrina de Humberto Theodoro Júnior é possível extrair essa conclusão:

Competência em razão da matéria.

Em nosso sistema judiciário, a matéria em litígio (isto é, a natureza do direito material controvertido) pode servir, inicialmente, para determinar a competência civil na esfera constitucional, atribuindo à causa ou à Justiça Federal ou à Justiça local.

Passada esta fase, a procura do órgão judicante competente será feita à base do critério territorial. Mas, dentro do foro, é ainda possível a subdivisão do mesmo entre varas especializadas (por exemplo: varas de família, de falência, de acidentes de trânsito, etc.). Estaremos, portanto, em semelhante situação, diante da competência de juízes rationae materiae. Mas, como destaca o Código de Processo Civil, no art. 91, esse problema é afeto à Organização Judiciária local, ressalvados os casos expressos neste Código (destaquei)

Ou seja, ultrapassada a questão de se determinar a que órgão jurisdicional compete conhecer da matéria, ganha relevância a competência hierárquica, determinando-se quais os juízos, ou Tribunais (em se tratando de competência recursal), que podem exercer jurisdição naquele determinado processo. Corrobora esse entendimento a doutrina de Arruda Alvin, verbis: Determina-se a competência recursal, avultando de importância o critério da hierarquia, tendo-se em vista a função atribuída ao órgão (competência hierárquica, acima dos juízos de primeiro grau de jurisdição, com a função de rever, por via recursal, as decisões dos mesmos). Quer dizer, já não se considera mais, em primeira linha, outros elementos: território, a matéria, o valor da causa. Leva-se em conta predominantemente a função do órgão de segundo grau.

Do exposto pode-se depreender que, ao se cogitar de competência recursal tem-se necessariamente que o juízo da origem, designado pela competência material, cumpriu e esgotou sua jurisdição (CPC, art. 463), fixando-se, para o juízo ad quem, competência funcional, também absoluta, e que tem na competência material apenas pressuposto de validade para então desincumbir-se de sua atribuição hierárquica. Mas se esgotada, como se disse, a competência material pelo juízo de origem, a alteração dessa competência por lei posterior não atinge o processo em que foi proferida a sentença, porque, no juízo ad quem, cuida-se então de competência funcional. Apenas a título de comparação equivaleria a lei posterior atingir ato jurídico perfeito. Então, se a sentença foi proferida por juiz materialmente competente, os juízos recursais não poderão ser outros, porque também estes são automaticamente definidos quando fixada a competência material, de sorte que a competência funcional, por ser absoluta, não pode admitir que havendo sentença proferida no juízo cível, venha ela a ser modificada por Tribunal Regional do Trabalho, porque não há competência funcional deste para, em sede recursal, reformar sentença proferida por aquele.

Não se concebe, por isso, que o Tribunal Regional do Trabalho examine um recurso de apelação (mesmo autuando-o como recurso ordinário), ou o Tribunal Superior do Trabalho um Recurso Especial (autuado como Recurso de Revista), sem aplicar as disposições legais do recurso originário (processo comum).

Bem por isso, também, o STF já assentou verbis:

As disposições concernentes à jurisdição e competência se aplicam de imediato, mas, se já houver sentença relativa ao mérito, a causa prossegue na jurisdição em que ela foi prolatada, salvo se suprimido o Tribunal que deverá julgar o recurso (STF, Habeas Corpus nº 76.380-9, Rel. Min. Moreira Alves, in de 5/6/1998).

Dos fundamentos do voto do eminente Ministro Moreira Alves, relator do acórdão no Habeas Corpus nº 76.380-9, destaca-se, ainda, a referência a Carlos Maximiliano, em que o renomado afirma que o veredictum firma o direito do Autor no sentido de prosseguir perante a Justiça que tomara, de início, conhecimento da causa

Eis a lição de Chiovenda:

Compreende-se sobretudo no estudo da competência o exame dos critérios pelos quais é determinada.
(...)
O critério funcional extrai-se da natureza especial e das exigências especiais das funções que se chama o magistrado a exercer num processo. Tais funções podem repartir-se entre diversos órgãos na mesma causa (assim, há juízes de primeiro grau e segundo grau, juízes da cognição, juízes da execução).
(...)

c) São absolutos e improrrogáveis os limites deduzidos do critério funcional. Não se pode omitir um grau de jurisdição e dirigir-se imediatamente ao juiz de apelação. (...) a violação de normas sobre a competência funcional acarreta, em alguns casos, como conseqüência, a ineficácia absoluta do ato jurisdicional. É o que acontece quando o ato é realizado sem respeitar os limites assinalados conjuntamente pela hierarquia e pelo território. Uma vez determinado o juiz de primeiro grau, têm-se determinados, necessariamente, os juízes superiores que poderão ocupar-se da causa. Se se apela de uma sentença do pretor para a Corte de Apelação, falta a esta jurisdição na causa, porque lhe falece aquela relação hierárquica imediata (...) (destaquei) Diante do exposto é possível extrair o adequado alcance da norma contida no art. 87 do CPC, que assim dispõe:

Art. 87. Determina-se a competência no momento em que a ação é proposta. São irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem o órgão judiciário ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia. Se determinado juízo exerce competência hierárquica recursal e sobrevem norma que altera a competência material, o processo não é afetado, devendo o recurso ser dirigido e examinado pelo juízo que já o era competente para examinar o recurso antes da vigência da norma alteradora. Somente por lei específica, que alterasse a competência recursal, poderia se cogitar de deslocamento dos recursos. Cuida-se, repita-se, de competências material e hierárquica absolutas de tal forma que, para serem harmonizadas, devem ser isoladamente consideradas, ainda que a segunda tenha a primeira por pressuposto.

Portanto, tendo a EC 45/2004 promovido alteração da competência em razão da matéria, apenas os processos que se encontram no primeiro grau da Justiça Comum, sem que ainda tenha sido proferida sentença, é que se deslocam para a Justiça do Trabalho, com a conseqüente remessa desses processos para as Varas do Trabalho no âmbito territorial de suas jurisdições.

A competência recursal dos Tribunais, por se tratar de competência hierárquica, não foi afetada pela EC 45/2004, de sorte que os processos na Justiça Comum (Estadual, do DF, ou Federal) nos quais já houve prolação de sentença, têm, nos Tribunais de Justiça Estaduais e do Distrito Federal, nos Tribunais Regionais Federais e no Superior Tribunal de Justiça, seus juízos naturais. A tese ora apresentada, ainda que por fundamentos distintos, harmoniza-se com decisão do Supremo Tribunal Federal que, no exame do CC-7204/MG, após fixar a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar dissídios com pedido de indenização por dano moral ou patrimonial decorrente de acidente de trabalho, a partir da EC 45/2004, considerou que os processos em trâmite na Justiça Comum nos quais já houve exame de mérito, lá permanecerão até trânsito em julgado e execução, assinalando que A medida se impõe, em razão das características que distinguem a Justiça comum estadual e a Justiça do Trabalho, cujos sistemas recursais, órgãos e instâncias não guardam exata correlação. Assim encontram-se sintetizados na ementa os fundamentos do Excelso Pretório no julgamento do conflito de competência acima referido, verbis:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA JUDICANTE EM RAZÃO DA MATÉRIA. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E PATRIMONIAIS DECORRENTES DE ACIDENTE DO TRABALHO, PROPOSTA PELO EMPREGADO EM FACE DE SEU (EX-) EMPREGADOR. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. ART. 114 DA MAGNA CARTA. REDAÇÃO ANTERIOR E POSTERIOR À EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/04. EVOLUÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PROCESSOS EM CURSO NA JUSTIÇA COMUM DOS ESTADOS. IMPERATIVO DE POLÍTICA JUDICIÁRIA. Numa primeira interpretação do inciso I do art. 109 da Carta de Outubro, o Supremo Tribunal Federal entendeu que as ações de indenização por danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente do trabalho, ainda que movidas pelo empregado contra seu (ex-)empregador, eram da competência da Justiça comum dos Estados-Membros.

2. Revisando a matéria, porém, o Plenário concluiu que a Lei Republicana de 1988 conferiu tal competência à Justiça do Trabalho. Seja porque o art. 114, já em sua redação originária, assim deixava transparecer, seja porque aquela primeira interpretação do mencionado inciso I do art. 109 estava, em boa verdade, influenciada pela jurisprudência que se firmou na Corte sob a égide das Constituições anteriores.

3. Nada obstante, como imperativo de política judiciária -- haja vista o significativo número de ações que já tramitaram e ainda tramitam nas instâncias ordinárias, bem como o relevante interesse social em causa --, o Plenário decidiu, por maioria, que o marco temporal da competência da Justiça trabalhista é o advento da EC 45/04. Emenda que explicitou a competência da Justiça Laboral na matéria em apreço.

4. A nova orientação alcança os processos em trâmite pela Justiça comum estadual, desde que pendentes de julgamento de mérito. É dizer: as ações que tramitam perante a Justiça comum dos Estados, com sentença de mérito anterior à promulgação da EC 45/04, lá continuam até o trânsito em julgado e correspondente execução. Quanto àquelas cujo mérito ainda não foi apreciado, hão de ser remetidas à Justiça do Trabalho, no estado em que se encontram, com total aproveitamento dos atos praticados até então. A medida se impõe, em razão das características que distinguem a Justiça comum estadual e a Justiça do Trabalho, cujos sistemas recursais, órgãos e instâncias não guardam exata correlação.

5. O Supremo Tribunal Federal, guardião-mor da Constituição Republicana, pode e deve, em prol da segurança jurídica, atribuir eficácia prospectiva às suas decisões, com a delimitação precisa dos respectivos efeitos, toda vez que proceder a revisões de jurisprudência definidora de competência ex ratione materiae. O escopo é preservar os jurisdicionados de alterações jurisprudenciais que ocorram sem mudança formal do Magno Texto.

6. Aplicação do precedente consubstanciado no julgamento do Inquérito 687, Sessão Plenária de 25.08.99, ocasião em que foi cancelada a Súmula 394 do STF, por incompatível com a Constituição de 1988, ressalvadas as decisões proferidas na vigência do verbete.

7. Conflito de competência que se resolve, no caso, com o retorno dos autos ao Tribunal Superior do Trabalho. (Conflito de Competência CC 7204/MG - Minas Gerais, ac. Tribunal Pleno, Relator Min. Carlos Britto DJ 09/12/2005, Suscitante Tribunal Superior Do Trabalho, Suscitado Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais)

Ante o exposto, declaro a incompetência absoluta da Justiça do Trabalho para examinar o presente recurso e, assim, suscito, de ofício, o conflito negativo de competência, devendo os autos serem remetidos ao E. Supremo Tribunal Federal, à luz do disposto no art. 102, inciso I, alínea o, da Constituição da República.

ISTO POSTO ACORDAM os Ministros da Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, acolher de ofício a preliminar suscitada pela Quinta Turma para declarar a incompetência absoluta da Justiça do Trabalho para o exame do presente recurso e suscitar, de ofício, o conflito negativo de competência, devendo os autos serem remetidos ao E. Supremo Tribunal Federal, à luz do disposto no art. 102, inciso I, alínea o, da Constituição da República.

Brasília, 26 de abril de 2006.

JOÃO BATISTA BRITO PEREIRA
Ministro Relator

Serviço de Jurisprudência e Divulgação
Última atualização em 22/02/2007