Ministério da Previdência Social
PARECER/CJ/Nº 3050/2003
Publicado no DOU de 30/04/2003
Trata-se de consulta acerca de vinculação de trabalhadores contratados por organismos internacionais ao Regime Geral de Previdência Social - RGPS e a conseqüente incidência da contribuição social prevista no art. 22 da Lei nº 8.212, de 1991, sobre os respectivos salários-de-contribuição. 2. A relação jurídico-previdenciária é a de direito público. Estabelece-se entre o Estado e o segurado trabalhador (seja autônomo, empregado, avulso ou segurado especial). 3. Carregada da seiva do direito público, a relação previdenciária se submete imperiosamente ao princípio da legalidade. A legalidade entendida aqui não só como a não violação da ordem legal, mas a estrita conformidade com o dizer da lei. 4. Dessarte, elencado o trabalhador entre os considerados segurados obrigatórios do RGPS e estipulada em lei a hipótese de incidência da contribuição social, perfaz-se a relação jurídica, devendo o Estado mediante pagamento do prêmio garantir o seguro ao cidadão, desde que haja superveniência do evento descrito na norma legal. 5. No caso de brasileiros domiciliados e contratados no Brasil, prestando serviço a organismos internacionais aqui estabelecidos, temos a possibilidade de dois enquadramentos da relação jurídicoprevidenciária. 6. Em primeiro lugar ter-se-á o trabalhador brasileiro empregado de organismo oficial internacional. 7. Por organismos oficiais internacionais, entendem-se as instituições ligadas à área econômica, social, cultural, sanitária, educacional, cujo nascimento é fruto da vontade de Estados soberanos ou da própria Organização das Nações Unidas- ONU. 8. Embora na maioria das vezes sejam criadas pela ONU, os organismos internacionais possuem personalidade jurídica de direito internacional, gozando por isto de autonomia administrativa e financeira. 9. São exemplos de organismos internacionais, citados pelo mestre Celso de Albuquerque Melo, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA); a Organização Internacional do Trabalho (OIT); a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO); a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO); a Organização Mundial da Saúde (OMS); o Fundo Monetário Internacional (FMI); o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD); a Associação Internacional de Desenvolvimento (AID); a Sociedade Financeira Internacional (SFI); a Organização da Aviação Civil Internacional (OACI); a União Postal Universal (UPU); a União Internacional de Telecomunicações (UIT); a Organização Meteorológica Mundial (OMM); a Organização Intergovernamental Marítima Consultiva (IMCO). 10. A lista de organismos é por óbvio exemplificativa e, dentre os exemplos, incluem-se todos e quaisquer programas, como o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD. 11. Nesta hipótese, não há dúvida a ser dirimida, porquanto a interpretação gramatical da legislação resolve o assunto. 12. Consoante mandamento da Lei nº 8.212, de 1991, é segurado obrigatório do Regime Geral de Previdência Social o empregado de organismo oficial internacional ou estrangeiro em funcionamento no Brasil: Art. 12. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas: I - como empregado: ...................................................................................................... i) o empregado de organismo oficial internacional ou estrangeiro em funcionamento no Brasil, salvo quando coberto por regime próprio de previdência social. 13. Se a relação de trabalho não for uma relação de emprego, mas mera prestação civil de serviços, a vinculação ao RGPS não deixa de ocorrer de igual forma. 14. É que neste caso o trabalhador é considerado contribuinte individual, porque estará prestando serviço de natureza urbana, em caráter eventual, a uma entidade equiparada à empresa segundo o parágrafo único do art. 15 da Lei nº 8.212, de 1991. II 15. A segunda hipótese é a de que a entidade embora estrangeira ou internacional não tenha caráter oficial. O organismo, apesar de alienígena, não tem cunho oficial, como se dá por exemplo com as organizações não governamentais. Seu conceito pode ser tirado por exclusão, i.e, não se encaixando nos moldes dos demais organismos internacionais, são por óbvio entidades não governamentais (as conhecidas ONG). 16. Nesta segunda hipótese, ocorre a subjunção da relação de emprego ou de trabalho, respectivamente, aos preceitos do art. 12, inciso I "a", e inciso V, "g", da citada lei, que ora transcrevemos: Art. 12. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas: I - como empregado: a) aquele que presta serviço de natureza urbana ou rural à empresa em caráter não eventual, sob sua subordinação e mediante remuneração inclusive como diretor empregado; (...) V - como contribuinte individual: (...) g) quem presta serviço de natureza urbana ou rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego; 17. Em que pese ontologicamente o organismo internacional possa não ser considerado uma empresa, a esta é ele equiparado por expressa disposição do parágrafo único do art. 15 da mesma lei: Art. 15. (...) ...................................................................................................... Parágrafo único. Equipara-se a empresa, para os efeitos desta Lei, o contribuinte individual em relação a segurado que lhe presta serviço, bem como a cooperativa, a associação ou entidade de qualquer natureza ou finalidade, a missão diplomática e a repartição consular de carreiras estrangeiras. 18. Vê-se que em qualquer dos casos, quer se cuide de organismo oficial ou não, o brasileiro por ele contratado para prestar serviço sob relação de trabalho ou sob relação empregatícia, encontra-se vinculado ao Regime Geral de Previdência Social. 19. O princípio da proteção do trabalhador impera no direito previdenciário desde a sua urdidura. Não passaria despercebido ao legislador os casos sob consulta. Do contrário, ter-se-ia o total desamparo dos trabalhadores que prestassem serviços a tais entidades. 20. O caráter protetivo do direito previdenciário pode ser revelado, a título exemplificativo, em outras normas constantes do mesmo art. 12, como o exemplo do brasileiro, que, trabalhando em organismo oficial no exterior, do qual o Brasil seja membro efetivo, tem direito aos benefícios do RGPS. 21. Explicitada a situação legal, resta esclarecer que o direito previdenciário brasileiro é por princípio de natureza contributiva, devendo haver a relação entre filiação ao regime e recolhimento das respectivas contribuições. 22. E tendo-se em vista que a contribuição social tem caráter de tributo, não há se indagar acerca da natureza jurídica do sujeito passivo ou contribuinte. A não ser que este seja beneficiário de imunidade constitucional, o tributo deve ser recolhido ou cobrado. 23. Já que o tema da imunidade do organismo internacional foi ventilado, é de se traçar mais algumas linhas a seu respeito. III 24. A imunidade de direito internacional concedida aos entes deste ramo do direito é postulado básico da comunidade das nações. Não estaria, entretanto, na categoria das normas de cortesia do direito internacional. A norma de cortesia é aquela que decorre de mera gentileza de um Estado soberano para com o outro, sem que conste sequer de norma expressa ou costume reiterado. 25. Neste caso da imunidade, além do caráter de liberalidade para melhor relação entre os países, ocorre a impossibilidade jurídica de querer-se aplicar a legislação de um Estado sobre o território do outro. 26. A execução de eventual medida judiciária contra a nação estrangeira restaria frustrada face a ausência da imperatividade do direito brasileiro, num âmbito espacial não abarcado por nossa soberania. 27. Entretanto, tratando-se de direitos sociais do trabalhador, a referida imunidade não pode servir ao enriquecimento sem causa do empregador ou tomador de serviços, prejudicando-se as garantias previdenciárias e trabalhistas do cidadão. É de se transcrever, neste sentido, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: EMENTA: Imunidade de Jurisdição - Reclamação Trabalhista Litígio entre Estado Estrangeiro e Empregado Brasileiro - Evolução do tema na doutrina, na legislação comparada e na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: da imunidade jurisdicional absoluta à imunidade jurisdicional meramente relativa - recurso extraordinário não conhecido. Os Estados Estrangeiros não dispõem de imunidade de jurisdição, perante o Poder Judiciário Brasileiro, nas causas de natureza trabalhista, pois essa prerrogativa de Direito Internacional Público tem caráter meramente relativo. O Estado estrangeiro não dispõe de imunidade de jurisdição, perante órgãos do Poder Judiciário brasileiro, quando se tratar de causa de natureza trabalhista. Doutrina. Precedentes do STF (RTJ 133/159 e RTJ 161/643-644). -Privilégios diplomáticos não podem ser invocados, em processos trabalhistas, para coonestar o enriquecimento sem causa de Estados estrangeiros, em inaceitável detrimento de trabalhadores residentes em território brasileiro, sob pena de essa prática consagrar censurável desvio ético-jurídico, incompatível com o princípio da boa-fé e inconciliável com os grandes postulados do direito internacional. O privilégio resultante da imunidade de execução não inibe a Justiça Brasileira de exercer jurisdição nos processos de conhecimento instaurados contra Estados Estrangeiros. - A imunidade de jurisdição, de um lado, e a imunidade de execução, de outro, constituem categorias autônomas, juridicamente inconfundíveis, pois - ainda que guardem estreitas relações entre si - traduzem realidades independentes e distintas, assim reconhecidas quer no plano conceitual, quer, ainda, no âmbito de desenvolvimento das próprias relações internacionais. A eventual impossibilidade jurídica de ulterior realização prática do título judicial condenatório, em decorrência da prerrogativa da imunidade de execução, não se revela suficiente para obstar, só por si, a instauração, perante Tribunais brasileiros, de processos de conhecimento contra Estados estrangeiros, notadamente quando se tratar de litígio de natureza trabalhista. Doutrina. Precedentes. 28. A existência de qualquer cláusula contratual entre o or ganismo internacional e a União, não pode afastar a salva-guarda constitucional dos direitos trabalhistas e previdenciários. 29. Eventual dispositivo contratual estipulando que, quando do pagamento de empréstimo contraído junto a organismos internacionais, não poderá a União efetuar deduções a título de impostos, taxas, direito ou encargo fixados pelas leis brasileiras, goza de presunção de validade, mas não está isento de enfrentar um processo trabalhista ou previdenciário de conhecimento, com suas conseqüências legais, em razão do cunho social do direito perseguido em juízo. 30. Pois bem, a imunidade subsiste, mas não veda que os prestadores de serviços estejam vinculados ao RGPS como contribuintes individuais, aplicando-se a retenção legal quando do pagamento dos serviços prestados. E, se forem empregados, sejam descontadas as contribuições oficiais e recolhidas ao INSS pelo empregador no prazo de lei. 31. Ainda que o organismo internacional ou o programa oficial por ele instituído não emita nota fiscal ou fatura, o recibo de pagamento de prestação de serviço ou documento quejando se constitui no instrumento através do qual o fato gerador da contribuição social se manifesta. 32. Existente como desposada a relação jurídico-previdenciária, nasce para o sujeito passivo, que é o organismo internacional, em primeiro plano, a obrigação tributária principal. Com esta e para concreção dela, tem plena aplicabilidade todas as obrigações acessórias, tais como: obrigação da manutenção e apresentação dos registros contábeis, declaração em GFIP das referidas obrigações principais existentes. 33. Esta é a situação, exempli gratia, dos prestadores de serviços contratados por organismos internacionais no âmbito de acordos de cooperação técnica. Apesar de os técnicos contratados prestarem assessoramento a órgãos dos países em desenvolvimento como o Brasil, a União não tem responsabilidade previdenciária sobre a relação analisada ao curso deste parecer. 34. A responsabilidade previdenciária da União é de índole estatutária e constitucional. Ou temos um servidor público vinculado a regime próprio ou um servidor ou empregado público vinculado ao RGPS, conforme o caso, mas nunca nos moldes da prestação civil de serviços, que é vezeira entre o organismo internacional e o segurado contribuinte individual. 35. Hipótese diametralmente oposta é a dos funcionários internacionais. Em geral são os servidores oficiais das entidades internacionais, regularmente admitidos em seus quadros segundo as regras de contratação previstas em estatuto, com deveres expressos e estatutários e com direitos devidamente resguardados. Dentre estes, acha-se o direito à previdência social própria, mantida pelo organismo em que labora. Para estes não se há cogitar de vinculação ao RGPS. 36. Há uma única exceção ao presente entendimento: trata-se do caso em que o trabalhador brasileiro se encontre sob custódia do direito previdenciário do organismo internacional. 37. Aflora novamente o princípio da tutela do segurado. Desde que este se encontre protegido por regime próprio de previdência, não há porque se fazer o seguro previdenciário de maneira dúplice implicando dupla incidência de contribuições sobre a remuneração do trabalhador. Ante o exposto, entende esta Consultoria Jurídica, s.m.j., que o trabalhador contratado por organismo internacional se encontra vinculado ao Regime Geral de Previdência Social: a) como empregado, se a relação empregatícia for configurada, incidindo as contribuições previdenciárias nos termos dos incisos I e II do art. 22 da Lei nº 8.212, de 27 de julho de 1991; b) como contribuinte individual, sendo devida a contribuição a cargo do organismo internacional nos termos do inciso III do artigo 22 conforme o contido nos itens 9 e 10 supra; c) no caso de empregado, deve ser a contribuição do art. 20 descontada e recolhida pelo sujeito passivo; d) no caso do contribuinte individual deve ser por ele recolhida a contribuição instituída pelo art. 21, todos da Lei nº 8.212, de 1991.
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