CONSTITUCIONALIDADE DA EXIGÊNCIA
DE DEPÓSITO PRÉVIO DA MULTA TRABALHISTA, COMO CONDIÇÃO
DE ACOLHIMENTO DO RECURSO ADMINISTRATIVO.
Marcos Neves Fava (ṃ)
“Uma coisa é uma coisa.
Outra coisa é outra coisa”
Dario José dos Santos
*
Sumário:
1. Introdução. 2. Importância da modificação
da competência material da Justiça do Trabalho, no que toca
à cobrança de multas administrativas. 3. Multas administrativas
trabalhistas. Natureza. Fonte normativa. Regime procedimental de imposição
e cobrança. 4. Limites da ação direta de inconstitucionalidade.
Impedimento de leitura analógica. 5. Conseqüências impossíveis
da incidência das conclusões das ações diretas
de inconstitucionalidade sobre a imposição de multas administrativas.
6. Excesso de oportunidade para o exercício do direito de defesa.
7. Conclusões. 8. Bibliografia.
Palavras-chaves: Jurisdição e competência.
Ação direta de inconstitucionalidade. Multas administrativas.
Depósito prévio. Tempo razoável de duração
do processo.
Resumo. Este artigo investiga a inexistência de
impeditivo jurisprudencial para cobrança do depósito prévio
da multa aplicada pela fiscalização do trabalho aos empregadores,
como requisito de admissibilidade do recurso administrativo.
Abstract: This article ascertains the nonexistence as
of deterrant jurisprudencial from the advance deposit from the fine diligent
from oversight of the work to the employers, as a requirement as of admissibility
from the recourse administrative.
Key words: Jurisdiction and ability. Direct action of
unconstitutionality. Administrative fines. Previous deposit. Reasonable time
of duration of the process.
1. Introdução.
Recentes
decisões do Supremo Tribunal Federal em ações
diretas de constitucionalidade – as ações 1976-7
e 1074-3 – reconheceram a inconstitucionalidade de dispositivos legais tributários
que exigem o depósito prévio do valor do valor em litígio,
para discussão dos lançamentos fiscais em sede administrativa.
Reviu, nisto, paradigmas jurisprudenciais anteriores, da própria Corte
Excelsa (Ţ) . Segundo a novel posição daquele Tribunal,
viola direito líquido e certo dos contribuintes a exigência
de depósito prévio do valor exigido pela Administração,
para auferir acesso ao recurso de segunda instância administrativa,
o que foi decidido com a seguinte ementa:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART.
32, QUE DEU NOVA REDAÇÃO AO ART. 33, § 2º, DO DECRETO
70.235/72 E ART. 33, AMBOS DA MP 1.699-41/1998. DISPOSITIVO NÃO REEDITADO
NAS EDIÇÕES SUBSEQÜENTES DA MEDIDA PROVISÓRIA TAMPOUCO
NA LEI DE CONVERSÃO. ADITAMENTO E CONVERSÃO DA MEDIDA PROVISÓRIA
NA LEI 10.522/2002. ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DO CONTEÚDO
DA NORMA IMPUGNADA. INOCORRÊNCIA. PRESSUPOSTOS DE RELEVÂNCIA
E URGÊNCIA. DEPÓSITO DE TRINTA PORCENTO DO DÉBITO EM
DISCUSSÃO OU ARROLAMENTO PRÉVIO DE BENS E DIREITOS COMO CONDIÇÃO
PARA A INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ADMINISTRATIVO. PEDIDO DEFERIDO.
Perda de objeto da ação direta em relação ao
art. 33, caput e parágrafos, da MP 1.699-41/1998, em razão
de o dispositivo ter sido suprimido das versões ulteriores da medida
provisória e da lei de conversão. A requerente promoveu o devido
aditamento após a conversão da medida provisória impugnada
em lei. Rejeitada a preliminar que sustentava a prejudicialidade da ação
direta em razão de, na lei de conversão, haver o depósito
prévio sido substituído pelo arrolamento de bens e direitos
como condição de admissibilidade do recurso administrativo.
Decidiu-se que não houve, no caso, alteração substancial
do conteúdo da norma, pois a nova exigência contida na lei de
conversão, a exemplo do depósito, resulta em imobilização
de bens. Superada a análise dos pressupostos de relevância e
urgência da medida provisória com o advento da conversão
desta em lei. A exigência de depósito ou arrolamento prévio
de bens e direitos como condição de admissibilidade de recurso
administrativo constitui obstáculo sério (e intransponível,
para consideráveis parcelas da população) ao exercício
do direito de petição (CF, art.
5º, XXXIV), além de caracterizar ofensa ao princípio
do contraditório (CF, art.
5º, LV).
A exigência de depósito ou arrolamento prévio de bens
e direitos pode converter-se, na prática, em determinadas situações,
em supressão do direito de recorrer, constituindo-se, assim, em nítida
violação ao princípio da proporcionalidade. Ação
direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 32
da MP 1699-41 - posteriormente convertida na lei 10.522/2002 -, que deu nova
redação ao art. 33, § 2º, do Decreto 70.235/72 (#)
Ambas as
ações diretas de inconstitucionalidade enfrentaram o mesmo
tema, a primeira (1976-7),
relativamente à matéria tributária em geral e a segunda
(1074-3) às cobranças das contribuições sociais
exigidas pelo Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS –, resultando,
por igual, na decisão suso ementada.
A reviravolta da jurisprudência da Suprema Corte não é
fato comum, em particular depois de assentadas as decisões anteriores
já após a promulgação da Constituição
da República de 1988, donde se extraíram os fundamentos para
o novo posicionamento da Corte.
Importa a este breve artigo a investigação da incidência
do resultado dessas ações diretas de inconstitucionalidade
sobre a cobrança das multas administrativas trabalhistas, impostas
pelos órgãos de fiscalização do trabalho aos
empregadores, matéria hoje tratada, no plano judicial, pela Justiça
do Trabalho, após a emenda
constitucional 45 de 2004 (§). Procura responder à
indagação: aplicam-se as conclusões dos julgados do
Supremo nas ações diretas de inconstitucionalidade mencionadas
à exigência de depósito prévio da multa administrativa
trabalhista?
2. Importância
da modificação da competência material da Justiça
do Trabalho, no que toca à cobrança de multas administrativas.
Para dar proteção institucional ao trabalho do homem, evoluiu
o regramento constitucional brasileiro, depois de quase 14 anos de tramitação
da emenda
constitucional 45 de 2004, a da “reforma do judiciário”, fazendo
abranger, sob a competência da Justiça do Trabalho, todas as
ações envolventes das “relações de trabalho”.
Diferente não foi a percepção de Maurício Godinho
Delgado: **
“Na presente medida, isto é, no instante em que concentrou
na Justiça do Trabalho a competência para conhecer e julgar
lides nucleares e conexas que tenham fulcro na relação de emprego,
a nova emenda constitucional fez despontar sua face progressista, democrática
e direcionada à busca da justiça social. Um sistema justrabalhista
racional, eficiente e interconectado é, sem dúvida, alavanca
imprescindível para a conquista da efetividade do Direito do Trabalho
no país”.
Em festejo
pela ampliação da competência, Reginaldo Melhado (ŢŢ) assim se pronunciou:
“Não pelo gosto da novidade (as novidades do mundo de hoje
excitam a nostalgia), mas por estar convencido de que esta é a melhor
alternativa política. Não para os juízes, enquanto corporação,
nem para o Judiciário, como instituição, e sim para
o exercício da cidadania, da qual é requisito elementar o acesso
à Justiça (ágil e eficaz) e a uma ordem jurídica
justa”.
A reforma
trouxe coerência ao sistema, agregando as matérias relativas
ao trabalho sob a competência de um só ramo, já existente,
com melhores índices de desempenho dentre os órgãos
do Judiciário, que é a Justiça do Trabalho. Estêvão
Mallet (##), apercebido da relevância
da coerência atribuída pelo novo sistema, leciona:
“Havia, no direito anterior, grave inconsistência e desarmonia
provocada pela competência mais restrita da Justiça do Trabalho,
o que abria a indesejável possibilidade de, sobre o mesmo fato, surgirem
provimentos divergentes, proferidos por órgãos judiciários
diferentes, sem espaço para uniformizá-los”.
Num ambiente
normativo de inexistência da garantia genérica no emprego, como
é o brasileiro, após a trágica substituição
do ordenamento encabeçado pelos artigos 478
e seguintes da Consolidação das Leis do Trabalho, pelo triste
regime do fundo de garantia por tempo de serviço – nos idos de 1966,
culminando com a generalização do novel sistema na Carta Política
de 1988 –, apresenta-se comum que o trabalhador submeta-se, na vigência
do contrato, sem reclamar contra o empregador, preservando seu posto de trabalho
contra eventuais represálias do processado. Assim, os reclamos aparecem
para reparação de dano já ultrapassado, dentro do estreito
limite de cinco anos – quando a prescrição ordinária
civil prevê o dobro deste lapso temporal – evitando-se o papel pedagógico
da intervenção judicial, para que, do provimento, aproveitem-se
os colegas ativos do reclamante.
Neste quadro, emerge ainda maior a importância da fiscalização
do trabalho – levada a cabo pelos auditores fiscais do trabalho – que atua
(a)com poderes amplos de atuação, (b) sem necessidade de provocação
do interessado (§§) e (c) com ferramentas que
lhe são exclusivas e abrangem desde a mera correção
– com efeito pedagógico, como se vê nos termos de ajuste de
conduta – até o encerramento das atividades do estabelecimento, passando
por um extenso rol de multas legalmente atribuíveis aos infratores.
No regime anterior, padecia o sistema judicial de dois graves problemas,
o primeiro diz respeito à falta de especialização do
juiz a quem se atribuía o julgamento das causas relacionadas com as
multas administrativas, o juiz federal comum. Com efeito, por força
da divisão das matérias, a este juiz era dado o conhecimento
das causas de interesse da União, inclusas as multas administrativas
trabalhistas, o que se mostrava matéria bem diversa do restante de
suas atividades quotidianas, quando lida com direito tributário, contratos
administrativos e institutos do direito financeiro. O segundo refere-se à
celeridade no julgamento das lides, mostrando-se a Justiça do Trabalho
mais apta para devolver à sociedade uma pronta resposta, na prestação
jurisdicional, do que os demais ramos do Judiciário. Com estes dois
problemas solucionados, a legislação trabalhista ganha maior
efetividade, desestimulando-se seu descumprimento, o que foi observado, na
ocasião da promulgação da emenda, por Marcos Neves Fava
:(***)
“Interpretadas, analisadas e decididas as impugnações
em Juízo, formuladas por empregadores autuados por violação
às regras da legislação do trabalho, por Juiz do Trabalho,
as lides obterão julgamento mais céleres, mais eficazes e,
por via de conseqüência, a própria legislação
do trabalho sairá do processo histórico mais fortalecida”
Com intervenção
ex officio, de caráter dúplice, punitivo e pedagógico,
e que atinge as relações de trabalho em sua plena vigência,
os auditores fiscais exercem importante papel no cumprimento das regras justrabalhistas,
ampliando o acesso do trabalhador a uma ordem jurídica justa e dando-lhe
melhor acesso a uma vida digna. Quando estas multas, questionadas no Judiciário,
eram decididas por juiz a quem não são afetos, pela especialização,
as questões do trabalho e por um órgão judiciário
demasiadamente lento, perdiam sua eficácia imediata. Ao capital, mais
atraente é contar com a espera longa, às vezes de duas décadas,
para efetiva cobrança das multas, do que alterar seu procedimento,
atendendo às normas trabalhistas.(ŢŢŢ)
Relevantíssima, pois, a alteração competencial, para
assegurar melhor cumprimento das leis trabalhistas. (###)
Mister, para prosseguir, identificar a natureza jurídica das multas
e o procedimento aplicável no âmbito administrativo, para sua
imposição e para sua cobrança.
3. Multas administrativas
trabalhistas. Natureza. Fonte normativa. Regime procedimental de imposição
e cobrança.
Embora pela aproximação da titularidade da cobrança
e da forma de cálculo dos juros (§§§) , a execução
de multas administrativas não constitui crédito tributário
em sentido estrito. Executam-nas a Advocacia da União, antes a Procuradoria
da Fazenda Nacional. Aplicam-se, como aos créditos tributários,
os índices de atualização baseados na taxa SELIC. A
identidade estanca por aí.
A competência da cobrança de débitos tributários
incumbe à Justiça Federal Comum – que se organiza, em alguns
dos cinco Tribunais Regionais Federais, em varas especializadas –, enquanto
a execução das multas administrativas aplicadas pelos órgãos
de fiscalização aos empregadores ocupa o palco da Justiça
do Trabalho, desde dezembro de 2004, com o advento da emenda
constitucional 45.
Estatui o artigo 3º do código tributário nacional:
“Tributo é toda prestação pecuniária
compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não
constitua sanção de ato ilícito, instituída em
lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.
A exceção
emana, pois, do texto gramatical da lei, que exclui do conceito de tributo
a figura “que não constitua sanção de ato ilícito”.
A Constituição da República, no artigo
145, ao autorizar a instituição de tributos, indiretamente,
conceitua o instituto, sem relacionar as multas e sanções por
atos ilícitos. Não titubeia a jurisprudência:
ADMINISTRATIVO – EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL
– CONSELHO REGIONAL DE ENGENHARIA – EXERCÍCIO ILEGAL DA PROFISSÃO
– 1. Perfeitamente admissível a execução fiscal contra
a Fazenda Pública com base em certidão de dívida ativa
devidamente inscrita. Os arts. 730
e 585,
VI, do CPC, podem ser conciliados com o art.
100 da CF, sem a necessidade de um prévio processo de conhecimento
para obtenção de um título executivo judicial. 2. O
crédito exigido é decorrente de sanção de ato
ilícito, o que, pela simples análise do art. 3º do CTN,
afasta a sua natureza tributária, não se subordinando, em conseqüência,
aos prazos decadencial e prescricional previstos naquele diploma legal”.
(TRF 4ª R. – Proc. 2004.70.09.000349-0 – 4ª T. – Relª Desª
Fed. Marga Inge Barth Tessler – DJU 26.03.2007)
O procedimento
administrativo de cobrança das multas administrativas aplicadas por
ato ilícito no âmago da relação de trabalho regula-se
pela Lei
9784 de 1999, não pelas Leis 10.522/2002
ou 8.870/94, nem pelo decreto 70.235/78, diplomas, estes últimos,
que se aplicam à cobrança de créditos tributários.
A previsão normativa de direito positivo, que faz instituir, no ordenamento
jurídico, a possibilidade de exigência das multas trabalhistas
não se encontra noutro diploma, senão na Consolidação
das Leis do Trabalho, pela redação do artigo
628, verbatim:
“Salvo o disposto nos arts. 627
e 627-A,
a toda verificação em que o Auditor-Fiscal do Trabalho concluir
pela existência de violação de preceito legal deve corresponder,
sob pena de responsabilidade administrativa, a lavratura de auto de infração”.
A conjugação
do direito material – com previsão legítima da imposição
de multas – com o direito procedimental – que descreve os passos do processo,
desde a lavratura do auto, até a resolução do eventual
recurso, em sede administrativa – faz nascer a imposição da
obrigação de depósito do valor integral da multa, quando
da apresentação de recurso em seara não judicial. Nestes
termos, expressa-se o artigo 636, parágrafo primeiro da Consolidação
das Leis do Trabalho:
“Os recursos devem ser interpostos no prazo de 10 (dez) dias,
contados do recebimento da notificação, perante a autoridade
que houver imposto a multa, a qual, depois de os informar, encaminhá-los-á
à autoridade de instância superior”.
“§ 1º. O recurso só terá seguimento se o interessado
o instruir com a prova do depósito da multa”.
Providência
similar, no cerne do processo judiciário, não afronta a garantia
constitucional do acesso ao Judiciário, nem inibe o exercício
do contraditório e da ampla defesa. Cuida-se do artigo
899, parágrafo primeiro da Consolidação, que
institui o depósito recursal.
Reiterada jurisprudência no seio do Tribunal Superior do Trabalho confirma
a exigibilidade do depósito recursal, preservando-o da inquinação
de fonte de afronta aos comandos constitucionais, por se tratar de garantia
do Juízo, do que é exemplo a seguinte ementa:
AGRAVO DE INSTRUMENTO EXECUÇÃO ASSISTÊNCIA
JUDICIÁRIA GRATUITA EMPREGADORES DEPÓSITO RECURSAL DESERÇÃO
DO RECURSO DE REVISTA – O benefício da Assistência Judiciária
Gratuita não compreende o depósito recursal, que constitui
garantia do juízo, à luz do artigo
899, § 1º, da CLT e da Instrução Normativa
nº 3/93, item I, do TST. Indemonstrada a existência de garantia
prévia e integral à execução, o apelo trancado
encontra-se deserto. Agravo de Instrumento a que se nega provimento. (TST
– AIRR 353/2004-108-03-40.9 – 3ª T. – Relª Min. Maria Cristina
Irigoyen Peduzzi – DJU 27.04.2007)
Destaque-se,
da decisão ementada, que a Ministra Peduzzi enfrentou o conflito entre
o direito de acesso à instância recursal ao que goza dos benefícios
da gratuidade processual – bem constitucional de inestimável valor
– e a necessidade do imperativo legal em comento. Entre os dois, por ponderação,
fez prevalecer a constitucionalidade da exigência do depósito
recursal.
Especificamente, no Supremo Tribunal Federal, a manifestação
acerca da exigência de depósito administrativo prévio
tem lugar no julgamento do RE 210.235, de relatoria do Ministro Maurício
Correa:
“EXTRAORDINÁRIO – INFRAÇÃO ÀS NORMAS
TRABALHISTAS – PROCESSO ADMINISTRATIVO – CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA
– PENALIDADE – NOTIFICAÇÃO – RECURSO PERANTE A DRT – EXIGÊNCIA
DO DEPÓSITO PRÉVIO DA MULTA – PRESSUPOSTO DE ADMISSIBILIDADE
E GARANTIA RECURSAL – AFRONTA AO ART.
5º, LV, CF – INEXISTÊNCIA – 1. Processo administrativo.
Imposição de multa. Prevê a legislação
especial que, verificada a infração às normas trabalhistas
e lavrado o respectivo auto, o infrator dispõe de dez dias, contados
do recebimento da notificação, para apresentar defesa no processo
administrativo (art.
629, § 3º, CLT) e, sendo esta insubsistente, exsurge a
aplicação da multa mediante decisão fundamentada (art.
635, CLT). Não observância ao princípio do contraditório
e ampla defesa: Alegação improcedente. 2. Recurso administrativo
perante a drt. Exigência de comprovação do depósito
prévio. Pressuposto de admissibilidade e garantia recursal. 2.1. Ao
infrator, uma vez notificado da sanção imposta em processo
administrativo regular, é facultada a interposição de
recurso no prazo de dez dias, instruído com a prova do depósito
prévio da multa (art.
636, § 2º, CLT), exigência que se constitui em pressuposto
de sua admissibilidade). 2.2. Violação ao art.
5º, LV, CF. Inexistência. Em processo administrativo regular,
a legislação pertinente assegurou ao interessado o contraditório
e a ampla defesa. A sua instrução com a prova do depósito
prévio da multa imposta não constitui óbice ao exercício
do direito constitucional do art.
5º, LV, por se tratar de pressuposto de admissibilidade e garantia
recursal, visto que a responsabilidade do recorrente, representada pelo auto
de infração, está aferida em decisão fundamentada.
Recurso conhecido e provido”.
(STF – RE 210.235-1/MG – 2ª T. – Rel. Min. Maurício
Corrêa – DJU 19.12.1997 – p. 92)
Conclui-se,
pois, que, não havendo identidade de natureza entre o crédito
tributário e a cobrança de multas trabalhistas, não
há falar em quebra da isonomia, com a exigência do depósito
prévio na cobrança das últimas, sem sua incidência
na cobrança de créditos tributários.
4. Limites da ação
direta de inconstitucionalidade. Impedimento de leitura analógica.
A Constituição da República de 1988, no artigo
103, regulamentou o ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade,
atribuindo legitimidade aos entes que relaciona na referida norma. Num ordenamento
continental, isto é, organizado pelo direito positivo, não
consuetudinário, a figura do controle concentrado de constitucionalidade
ocupa importantíssima função.
Constituição, para Celso Ribeiro Bastos (****) , é:
“em essência, a soma de fatores reais do poder que regem
o país; forças de cunho político, religioso, econômico,
ativas e eficazes o bastante para informar todas as leis e instituições
jurídicas de uma sociedade”.
A supremacia
do Texto Constitucional, como fonte fundante do sistema jurídico do
país, exige a instituição de mecanismos de controle
de constitucionalidade, que existem para verificação de adequação
de um ato jurídico à Constituição, tanto no que
diz respeito aos requisitos formais, quanto aos substanciais (ŢŢŢŢ)
. Originou-se, a figura, no direito americano, em julgamento célebre
da Suprema Corte daquele país, no caso Madison x Marbury, oportunidade
em que o Juiz Marshal consagrou a soberania da Carta Política, reconhecendo
ineficaz qualquer outra regra do ordenamento que a contrariasse.
No sistema jurídico brasileiro, faz-se tal controle por meio de decisão
dos magistrados de quaisquer instâncias, de forma pontual, com efeitos
inter partes, e, pela via do controle concentrado, ou abstrato, por intervenção
do Supremo Tribunal Federal, mediante decisão em Ação
Direta de Inconstitucionalidade, ou de seu duplo, a Ação Direta
de Constitucionalidade. É, pois, misto, o sistema de controle de constitucionalidade
das normas, nestas plagas.
Esta última possibilidade, o controle concentrado de constitucionalidade,
deve pautar-se pela objetividade na fixação dos limites do
vício identificado pelo julgador, não se admitindo extensão
analógica ou por outra via interpretativa. Dado dispositivo normativo
é inconstitucional, segundo o decida o Supremo, mas não seus
análogos ou outros que o venham a substituir.
Os requisitos da petição inicial da Ação direta
de inconstitucionalidade não se afastam do regramento do processo
civil comum, exigindo-se pertinência, legitimidade etc. A alegação
genérica de inconstitucionalidade, firmou-se jurisprudência
no âmbito da Suprema Corte, não enseja conhecimento do pedido,
por inépcia:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. IMPUGNAÇÃO
ABSTRATA E GENÉRICA DE LEI COMPLEMENTAR. IMPOSSIBILIDADE DE COMPREENSÃO
EXATA DO PEDIDO. NÃO CONHECIMENTO. 1. Argüição
de inconstitucionalidade de lei complementar estadual. Impugnação
genérica e abstrata de suas normas. Conhecimento. Impossibilidade.
2. Ausência de indicação dos fatos e fundamentos jurídicos
do pedido com suas especificações. Não observância
à norma processual. Conseqüência: inépcia da inicial.
Ação direta não conhecida. Prejudicado o pedido de concessão
de liminar. (ADI- 1775/RJ, Relator Min. Maurício Corrêa, DJ:
18-05-01, PP-00431, EMENT VOL-02031-03, PP-00532).
Lendo-se,
tal decisão, por outra via, tem-se conclusão imperativa de
que as sentenças em ADIN não ultrapassam os limites objetivos
e restritíssimos das normas sobre as quais versam, tornando-se inadmissível
extensão interpretativa.
5. Conseqüências
impossíveis da incidência das conclusões das ações
diretas de inconstitucionalidade sobre a imposição de multas
administrativas.
O célebre centro-avante Dadá Maravilha, frasista espirituoso
do folclore futebolístico brasileiro, certa feita ensinou que “uma
coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”.
A decisão do Supremo Tribunal Federal acerca da inconstitucionalidade
da exigência do depósito dos valores questionados, como requisito
de interposição de recurso administrativo, não ultrapassam,
nem poderiam, os limites das normas inquinadas, pela petição
inicial, de inconstitucionalidade.
Diversa é a natureza das leis aplicáveis à cobrança
de tributos, daquelas que incidem sobre a exigência das multas administrativas
decorrentes da fiscalização do trabalho. Têm finalidade
diversa, como diferente é sua formação normativo-positivista.
Emergem de diplomas diferentes, o que desautoriza, como visto, qualquer ilação
de que o reconhecimento do Supremo tornou impossível a exigência
dos depósitos administrativos, também para outras espécies
de cobrança, como, principalmente, para esta reflexão, as de
multas administrativas impostas pela fiscalização.
Sendo diferentes os regulamentos das situações em análise,
diferente há de ser a conseqüência, para aquilatação
das conclusões do Supremo Tribunal Federal, em sede de ação
direta de inconstitucionalidade.
Expressa é, pois, a ausência de qualquer decisão pretoriana
de caráter genérico e vinculante, sobre a inconstitucionalidade
das regras trabalhistas que exigem, no âmbito do recurso administrativo,
o depósito do valor da multa, como requisito de admissibilidade.
A conseqüência candente é a de que se mostra impossível
aplicar ao sistema trabalhista o impedimento constitucional enxergado para
o procedimento administrativo tributário genérico, com base
na declaração de inconstitucionalidade deste último,
sem qualquer menção ao regramento incidente sobre as cobranças
de multas trabalhistas.
Algumas decisões do Tribunal Regional do Trabalho da segunda região,
após o julgamento das ADINS em comento, trafegam nesta direção:
MULTA. ADMINISTRATIVA. O depósito prévio da multa
como requisito de admissibilidade do recurso administrativo não ofende
o disposto no art.
5º, LV, da CF. Portanto, o conhecimento do recurso previsto
na legislação consolidada, sem que preenchidos os pressupostos
exigidos no art.
636, parágrafo 1º, da CLT, não se traduz em direito
líquido e certo do impetrante.(Processo 00943-2005-076-02-00-3, DOESP
30-10-2007, Relatora Juíza Rilma Emetério, 10ª Turma).
MANDADO
DE SEGURANÇA. EXIGÊNCIA DE DEPÓSITO PRÉVIO DA
MULTA PARA INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ADMINISTRATIVO (ARTIGO
636, parágrafo 1º, CLT). É constitucional a exigência
da comprovação do depósito da multa, quando da interposição
do recurso administrativo previsto no artigo 635 consolidado. O depósito
da multa constitui pressuposto de admissibilidade do recurso administrativo,
não se configurando como taxa para o exercício do direito de
petição. Precedentes do E. Supremo Tribunal Federal: AI-AgR
440362/RJ, Rel. Min. Carlos Velloso; AI-AgR 534180/RJ, Rel. Min. Celso de
Mello; RE 357311/SP, Rel. Min. Moreira Alves. (Processo: 00903-2006-021-02-00-4,
DOESP 13/11/2007, Relator Juiz Davi Furtado Meirelles, 9ª Turma)
6. Excesso de oportunidade
para o exercício do direito de defesa.
Dentre os objetivos do direito, não se encontra o de eternização
dos conflitos, em que pese passear, entre os operadores do direito brasileiro,
a certeza de que sempre é possível recorrer. Na direção
de audiências trabalhistas há mais de uma década, ouço,
quotidianamente, o argumento patronal, para que o trabalhador aceite o acordo
– ainda que em valor menor do que o incontroverso – de que o processo demora.
Brande, o devedor, a bandeira do complexo sistema recursal, enfeitado pelo
emblema da morosidade judiciária, como um argumento de conteúdo,
de substância, como se isto aliviasse suas obrigações
contidas no direito material.
No plano da fiscalização do trabalho, a importante missão
exercida pelos auditores-fiscais do ministério do trabalho e emprego,
a efetividade estabelece direta e ímpar relação com
a correção dos rumos da atuação patronal. O capital
sopesa, porque é de sua própria natureza, os riscos e custos
de aplicar ou não aplicar determinadas regras trabalhistas. Ampliando-se
indevida e elasticamente o direito de defesa, sem qualquer oneração
ao devedor, as multas administrativas mitigam-se, perdem-se no tempo e incentivam,
ao invés de coibir, a prática dos atos ilegais.
Nestes tempos pós-modernos de aceleração dos eventos
– era da comunicação eletrônica, do e-mail, da Internet,
da aldeia global –, o alívio no prazo de recurso pode representar
ineficácia total da pena aplicada. Traduzo. Se o empregador tiver
o direito de recorrer sem depositar a multa, fá-lo-á, sem qualquer
embaraço, ainda que não tenha qualquer razão, que o
auto tenha sido lavrado corretamente e, ainda, que o direito em questão
seja essencial para a vida do trabalhador. O custo disto torna-se lucro,
na apropriação indevida da força de trabalho, em dissonância
com as leis trabalhistas.
Dois elementos constitucionais de idêntico peso apresentam-se para
a ponderação do operador do direito. De um lado, o amplo exercício
do direito de defesa, assegurado em sede administrativa, como em Juízo.
De outro, o tempo razoável de duração do processo. Tempo
socialmente razoável.
Quem foi autuado, tem direito a um recurso gratuito, um com o depósito
da multa e, ainda, poderá questioná-lo judicialmente, em três
ou quatro instâncias. Para que se alcance a efetividade do segundo
dos mencionados princípios constitucionais, é mister que o
primeiro seja exercido responsavelmente.
7. Conclusões.
Do que se expôs, é possível aferir, à guisa de
conclusão, que as ADINS 1976-7
e 1074-3 não guardam qualquer relação com o sistema
de cobrança e questionamento das multas administrativas trabalhistas.
Em face da força e, conseqüentemente, das limitações
das ações diretas de inconstitucionalidade, não prevê
o sistema qualquer possibilidade de extensão interpretativa do quanto
decidido pelo Supremo Tribunal Federal, para aplicação subsidiária,
complementar ou interpretativa, daquela restrição ao sistema
trabalhista.
De origem normativa e finalidades diversas, os regramentos do processo administrativo
fiscal – objeto das ADINS em análise – e da cobrança de multas
administrativas trabalhistas não se confundem, mantêm-se estanques,
separados ontologicamente, sem que se vislumbre brecha para aplicação
a um, do que se regre, ou se decida, para o outro.
A modificação da competência da Justiça do Trabalho,
para abranger o julgamento das lides decorrentes das punições
administrativas dos empregadores – inclusive com a expressa autorização
para conhecimento dos mandados de segurança – deve pautar-se pelo
reforço do sistema institucional de proteção ao trabalho.
Nenhum dispositivo jurisprudencial há, pois, incidindo sobre as normas
pertinentes, a elidir o dever do autuado em depositar o valor integral da
multa, por ocasião da apresentação do recurso contra
a autuação administrativa.
8. Bibliografia.
DELGADO, Maurício Godinho. “As duas faces da nova competência
da justiça do trabalho”. In COUTINHO, Grijalbo Fernandes & FAVA,
Marcos Neves, Nova competência da justiça do trabalho. São
Paulo: LTR, 2005, p. 295.
FAVA, Marcos
Neves. “As ações relativas às penalidades administrativas
impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização
das relações de trabalho – leitura do artigo 114, VII da Constituição
da República”. In Revista da Escola da Magistratura do Tribunal Regional
do Trabalho da 2ª Região, São Paulo: TRT2, setembro de
2006, p. 8.
MALLET, Estêvão.
“Apontamentos sobre a competência da justiça do trabalho após
a emenda constitucional n. 45”. In COUTINHO, Grijalbo Fernandes & FAVA,
Marcos Neves. Justiça do trabalho: competência ampliada. São
Paulo: LTR, 2005, p. 84.
MELHADO,
Reginaldo.“Da dicotomia ao conceito aberto: as novas competências da
justiça do trabalho”. In COUTINHO, Grijalbo Fernandes & FAVA,
Marcos Neves, Nova competência da justiça do trabalho. São
Paulo: LTR, 2005, pp 310-11.
(ṃ) Marcos Neves Fava é
Juiz do Trabalho Titular da 89ª Vara de São Paulo, mestre em
direito do trabalho pela USP, professor de processo do trabalho da Faculdade
de Direito da FAAP, professor convidado dos cursos de pós-graduação
da Escola Superior da Advocacia (OAB-SP), da Fundação Getúlio
Vargas (FGV-RJ) e da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo,
além de participar dos cursos de formação inicial de
magistrados na Escola da Magistratura do Trabalho da Segunda Região
(TRT-SP).
* O “Dadá Maravilha”, atacante célebre
do futebol brasileiro, que jogou, entre outros, no Atlético de MG,
no Flamengo do RJ e no Bahia.
(Ţ) Do qual são exemplos
os seguintes precedentes: AI-AgR 440362/RJ, Rel. Min. Carlos Velloso; AI-AgR
534180/RJ, Rel. Min. Celso de Mello; RE 357311/SP, Rel. Min. Moreira Alves
(#)Diário da Justiça
da União Eletrônico, 17 de maio de 2007, após o julgamento,
em 28 de março do mesmo ano.
(§)Como preceitua o inciso VII
do artigo 114, com a redação inovada pela emenda 45: “as ações
relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores
pelos órgãos de fiscalização das relações
de trabalho”
** As duas faces da nova competência
da justiça do trabalho”. In COUTINHO, Grijalbo Fernandes & FAVA,
Marcos Neves, Nova competência da justiça do trabalho. São
Paulo: LTR, 2005, p. 295.
(Ţ)(Ţ) “Da dicotomia ao conceito
aberto: as novas competências da justiça do trabalho”. In COUTINHO,
Grijalbo Fernandes & FAVA, Marcos Neves, Nova competência da justiça
do trabalho. São Paulo: LTR, 2005, pp 310-11.
(##) “Apontamentos sobre
a competência da justiça do trabalho após a emenda constitucional
n. 45”. In COUTINHO, Grijalbo Fernandes & FAVA, Marcos Neves. Justiça
do trabalho: competência ampliada. São Paulo: LTR, 2005, p.
84.
(§§) Ou a provocação
pode ser anônima, sem identificação do denunciante.
*** “As ações relativas
às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos
de fiscalização das relações de trabalho – leitura
do artigo 114, VII da Constituição da República”. In
Revista da Escola da Magistratura do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª
Região, São Paulo: TRT2, setembro de 2006, p. 8
ŢŢŢ O Ministro Pedro Paulo
Teixeira Manus, egresso do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo,
contou diversas vezes, em palestras e conferências, o caso de um processo
desta nova competência, que, após a decisão da Turma
do TRF da 3ª Região pela incompetência da Justiça
Federal, veio à Justiça do Trabalho de São Paulo, percurso
que demorou seis meses. Chegando à Justiça do Trabalho, foi
distribuído à primeira instância, para fixação
da competência executória, despachado pelo Juiz de Vara, que
o remeteu ao Tribunal Regional do Trabalho para decisão do recurso
ordinário (originalmente, de apelação), onde foi distribuído,
relatado, revisado e julgado pela Turma em 45 dias. Eis um, dos miríades
possíveis, exemplo de abreviação a que nos referimos
no texto.
### O próximo passo desta
evolução encontra-se previsto no projeto de emenda constitucional
385, que resulta das alterações promovidas pelo Senado Federal
à PEC da reforma do Judiciário e que, por isto, voltaram para
nova análise da Câmara dos Deputados. Ali se prevê mais
um inciso ao reclamante 114, que dá à Justiça do Trabalho
competência para aplicar as multas hoje ditas “administrativas”, em
suas próprias sentenças. Constatado o trabalho em horas extraordinárias,
por exemplo, a sentença atribuirá ao empregado o valor das
horas sonegadas e imporá ao empregador a respectiva multa administrativa.
§§§ A lei 10522/2002
estabeleceu a incidência da SELIC para as cobranças de créditos
da União, de quaisquer naturezas, como rezam seus artigos 29 e seguintes.
Os tributos, como as multas, inserem-se nesta previsão, sem que se
altere a natureza jurídica de ambos.
***Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 43.
ŢŢŢManoel Gonçalves Ferreira
Filho, Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 1997,
p. 18.
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