PENHORA ON LINE E BLOQUEIO
DE CRÉDITOS FUTUROS.
A quem
serve a execução de título judicial trabalhista?
Em recente decisão em “pedido de providência”1,
o Corregedor Geral da Justiça do Trabalho, ministro Francisco Fausto2,
houve por bem dar procedência ao pedido inicial, para solicitar aos
Corregedores Regionais que “atuem junto às Varas do Trabalho, determinando
aos magistrados de Primeiro Grau de Jurisdição que se abstenham
de determinar aos administradores e gerentes da agência do Banco do
Brasil SA o cumprimento de ordem judicial contendo mandado de bloqueio de
penhora on line de numerário encontrado em conta corrente de
entidade executada fora dos limites territoriais da vara do Trabalho respectiva”,
complementando a ordem para fixar “a necessidade de se obedecer a regra estabelecida
no artigo
655 do código de processo civil, no qual não está
incluída a penhora de crédito futuro”.
Em decisão anterior, o MM Juiz Corregedor já havia tratado
de dois problemas correlatos ao contido no Pedido de Providências
em análise, a saber: a impossibilidade de penhora de créditos
futuros e a ordem on line, de bloqueio de valores em nível
nacional.3
O que procura a Corregedoria Geral é impedir os Juízes de
Primeiro Grau, condutores de execuções trabalhistas, de (a)
determinarem penhora de contas em nível nacional e (b) bloquearem os
chamados créditos futuros.
A decisão, por sua repercussão, merece considerações
e deve ser objeto de debates. Esta é a pretensão deste artigo:
lançar ao debate os assuntos suscitados pela decisão em tela,
noticiando, desde o início, que houve, contra a decisão, interposição
de agravo regimental pela ANAMATRA4, à espera de decisão.
Instrumento processual inadequado, parte ilegítima
e Juízo não competente: da má formação
do ato decisório.
De início, é bom e fácil de se ver que o instrumento
eleito pelo requerente para obter a prestação decisória
que logrou auferir não se mostra adequado. O “pedido de providência”,
figura que não tem definição regimental, eis que não
consta, senão do artigo 121, inciso XVI, enumerado quando da indicação
das diversas “classes de processo”, constitui-se em medida administrativa,
correlata à reclamação correicional.
A competência
para sua apreciação, conforme a matéria em debate,
será do Corregedor Geral, ou do Presidente do Tribunal, cabendo,
contra a decisão, apenas agravo regimental. Vale dizer, resta entregue
aos limites da própria Corte, não se admitindo recurso para
outra instância5, como, aliás, já se posicionou
a SDI do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, pela Súmula
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Mas o pedido de providência, ou a reclamação correicional,
não se presta a substituir recurso ou mandado de segurança,
como bem assinalou Cláudio Armando Couce de Menezes, em seu artigo
“QUESTÕES SOBRE EMBARGOS À EXECUÇÃO NA JUSTIÇA
DO TRABALHO”: “Em não tendo lugar o Mandado de Segurança,
a Reclamação Correicional, nestes casos, chega a ser uma aberração,
pois a Correição Parcial tem por objetivo corrigir a subversão
à ordem processual e não criar outra. Se o MS não pode
ser utilizado como recurso, muito menos a Correicional, pois esta caracteriza
apenas um procedimento administrativo. A Correicional utilizada como recurso,
viola o princípio do juiz natural, pois a parte já de antemão
tem ciência de quem vai julgar (Juiz Corregedor). Pior, sua decisão
é monocrática e definitiva, enquanto que no Mandado de Segurança
há distribuição livre e da decisão monocrática
do relator cabe agravo regimental para o Colegiado e, do acórdão
deste, possível também é a interposição
de recurso ordinário.” 7
A ordem judicial de penhora de crédito (presente ou futuro) opera-se
no bojo da execução e se caracteriza como ato de Poder do
Magistrado condutor do processo executório. Como tal está
submetido a recurso legalmente previsto e deve ser atacado por este meio.
Não se alegue que o Banco, por ser destinatário da ordem e
não parte no processo estaria alijado dos meios recursais, eis que,
em última análise, haveria de lançar mão do writt,
vislumbrando violação de qualquer direito seu, líquido
e certo. Por recurso, no cerne do processo, e não pela figura abstrata,
ampla e administrativa do pedido de providência, deveria ter agido
o interessado, mantendo-se o equilíbrio.
Em verdade, o conteúdo da ordem de constrição em nada
ofende ao Banco destinatário da ordem, eis o patrimônio bloqueado
não é de sua titularidade, falecendo-lhe, portanto, interesse
jurídico para reclamar ou pleitear proteção dos referidos
bens. Está a defender perante o Judiciário, direito alheio,
o que se torna inadmissível à vista da letra expressa do artigo
4º do código de processo civil, ainda que se trate de
medida de cunho administrativo, como é o “pedido de providência”.
Por fim, cumpre assentar que o rol de atividades de competência do
Ministro Corregedor Geral da Justiça do Trabalho não abarca
o conhecimento ou a decisão sobre o procedimento de Juízes
de Primeira Instância, como se lê no artigo 468
do Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho, cujo inciso III diz:
“decidir reclamações contra os atos atentatórios à
boa ordem processual, praticados pelos Tribunais Regionais, seus Presidentes
e Juízes, quando inexistir recurso específico;”.
Não se argumente que as conseqüências do ato, cuja cassação
pretendeu o Banco requerente, tenham amplitude nacional, eis que esse fenômeno
não transporta ou arrebata a vinculação do Juiz da
Causa ao Colendo Tribunal Superior do Trabalho, mantendo-o - às
suas decisões – vinculado ao Tribunal Regional em que serve. Assim
se procede relativamente a qualquer ato do Juiz de Primeiro Grau, não
se encontrando na jurisprudência qualquer exemplo de recurso, contra
decisão dessa autoridade, diretamente ao Colendo Tribunal Superior
do Trabalho.
A grande tentação de retirar de um só ato decisório
a eficácia de aplicação do que o juiz entende correto
não pode destruir as garantias das partes e a preservação
do Estado de Direito.Pudesse o Corregedor da Justiça do Trabalho,
ou o Presidente do Supremo Tribunal Federal, ou o Rei, estabelecer como devem
os juízes julgar, não haveria mais Estado de Direito, nem
Justiça. O processo alimenta-se dos limites que ele próprio
se impõe, retirando legitimidade e aprimoramento das decisões,
na medida em que estas são tomadas apenas pelo juiz competente e submetidas
aos recursos inerentes ao amplo exercício do direito de ação.
Conteúdo da decisão: a quem serve a execução
trabalhista.
Superada a análise das questões formais, que impedem a eficácia
do ato decisório em comento, analisemos seu conteúdo, que
diz respeito à imposição de limites à atuação
do magistrado trabalhista de primeiro grau.
Diz a ordem, ab initio, serem proibidas – “abstenham-se” foi o verbo
utilizado, na forma imperativa – as determinações de penhoras
on line em todo o território nacional.
Já há meses vivendo no terceiro milênio, todos nós
estamos acostumados ao encurtamento de distância que representam os
meios tecnológicos de comunicação, tais como a parabólica,
o telefone celular (por meio de satélites!) e a internet. O poeta
bem diz, na canção Parabolicamará: “Antes mundo
era pequeno, porque terra era grande, hoje mundo é muito grande porque
terra é pequena.” E prossegue, dizendo que, para dar a volta no mundo:
“De jangada leva uma eternidade, de saveiro leva uma encarnação,
de avião o tempo de uma saudade, pela onda luminosa leva o tempo
de um raio, tempo que levava Rosa par arrumar o balaio, quando sentia que
o balaio ia escorregar.”
A “onda luminosa” do poeta reconstruiu o Mundo, permitindo o encurtamento
das distâncias o a fruição de benefícios indizíveis.
Desde a propagação imediata da solução de problemas,
até a mobilização do capital. Tudo é rápido
e o mundo não tem mais fronteiras, frente aos avanços da tecnologia.
De “concorde”, almoça-se em Nova Iorque, depois do café da
manhã em Paris. Pela internet, a carta escrita agora é lida
agora mesmo, na outra ponta do Globo Terrestre. Pelas estradas da informação,
as infovias, o aplicador movimenta seu dinheiro em todas as bolsas
do mundo, sem mexer-se da cadeira.
Dois Juízes – como dois cidadãos quaisquer – situados em
comarcas distantíssimas podem conversar num chat (ambiente
da rede de computadores que permite a troca imediata de mensagens, como
numa conversa), mas, para que a precatória emitida por um deles no
bojo de dado processo, para que o outro, por exemplo, penhore bens situados
em sua comarca, deve receber número, carimbo, pasta, ser emitida
em duas vias, redigida com o formal português do início do
século e postada pelo correio convencional. A Justiça não
acompanha o movimento de avanço tecnológico, com a velocidade
exigida pelos tempos modernos.
Neste quadro, insere-se a prestação jurisdicional em sua
mais real dimensão, que é a da execução da sentença
trabalhista. A fase processual constitui-se no ápice do processo,
ocasião em que o cidadão que teve seu direito sonegado estará
a ser reparado, concretamente, recebendo a paga pela sentença determinada.
Momento que deveria ser de glória, muitas vezes acaba frustrado por
opróbio e dor. Lágrimas tomam lugar de risadas satisfeitas,
eis que o atos processuais prolongam-se demasiado lentos e, muitas das vezes,
o patrimônio do devedor evaporou-se, ao longo dos tortuosos caminhos
recursais e do tempo real de espera pela prestação definitiva.
A eficácia do processo executório constitui-se no âmago
da prestação jurisdicional e, sem ela, de nada valem os atos
pretéritos, as sentenças e acórdãos bem fundamentados,
as petições pertinentes, as provas, as testemunhas. O momento
da entrega concreta do valor correspondente ao direito reconhecido não
tem igual noutra fase da lide.
A penhora de créditos em conta corrente, quando deferida, em regra,
ocorre após a sucessão de vãs tentativas de localizar-se
patrimônio dos devedores, para saciar a ordem exeqüenda. Atende
ao comando central da execução, que é dar-lhe eficácia,
e, ao mesmo tempo, respeita a ordem legal de cerceio de bens, eis que em
seu topo figura dinheiro, objeto da penhora em análise.
Os Bancos estão, como os demais agentes empreendedores e as instituições
de atuação nacional (e transnacional) interligados por modernos
sistemas de comunicação. Tudo se processa on line,
desde a compensação de cheques apresentados em praças
longínquas, até a atualização do saldo de conta
corrente, estampado na tela do computador do cliente, em sua residência,
a quilômetros de distância da sede do Banco.
Determinada ordem judicial em execução que estabeleça
o bloqueio de contas correntes, ou a penhora do dinheiro ali depositado,
para alcançar eficácia, é preciso ser cumprida imediatamente,
não se podendo tolerar a necessidade, por exemplo, de expedição
de tantas cartas precatórias quantas forem as agências do Banco
depositário em todo o território nacional. Conclusão
dessa natureza feriria de morte o processo, em nome da honra ao formalismo
exacerbado. O Juiz de São Paulo pode, porque dentro de sua jurisdição,
ordenar ao qualquer banco que aqui tenha sede ou filial, que promova o imediato
bloqueio dos valores do correntista devedor, mesmo que sua conta não
esteja cadastrada na agência desta capital, mas na de outra cidade.
Cuida-se, com isto, de tratar com eficácia a ordem, sem permitir
o descumprimento do comando sentencial, ou a movimentação –
o escoamento – dos valores depositados em contas dos devedores.
Conceber cabível a proibição de bloqueio on line
e com amplitude nacional é dar ao Juiz um burrico
e uma pequena vara, para que ele tente perseguir os rebanhos de dinheiro
que flutuam velozmente pelas estradas da internet. Mais do que isto,
a conseqüência da proibição em análise identifica-se
com a anulação de um dos instrumentos mais eficazes no cumprimento
das sentenças continentes de obrigação de pagar.
A decisão em comento, no entanto, vai adiante e, além de
proibir a ordem de bloqueio on line e de limitá-la aos limites
geográficos de jurisdição, busca impedir a penhora
de créditos futuros, sob o argumento de que não há
suporte legal, já que o artigo
655 do código de processo civil não prevê essa
modalidade de bem penhorável.
Penhora de crédito futuro contém a mesma natureza da penhora
de dinheiro. Cada vez mais as operações comerciais prescindem
de registro concreto, como as cártulas, cheques, duplicatas e notas
promissórias, documentos previstos no artigo
655 evocado, fazendo-se substituir pela etérea figura da
ordem eletrônica.
Assim é que, almoçando no restaurante com sua família,
o cidadão paga a conta com o cartão de crédito e, muitas
vezes, nem precisa assinar o boleto até poucos anos emitidos para
essa finalidade. Basta a entrega do cartão, para que seja paga a conta.
Ele próprio não desembolsou nenhum centavo naquele momento,
mas, com crédito futuro, pagou sua despesa. Por sua vez, o
dono do estabelecimento, de posse do relatório dos chamados “recebíveis
de cartões de crédito”, corre na primeira hora do dia seguinte
e, junto ao banco em que opera, consegue antecipar o recebimento dos valores,
que só seriam quitados pela administradora do cartão de crédito
dias depois. O banco entregou-lhe dinheiro concreto, em troca de crédito
futuro. Com esse dinheiro (crédito futuro), o dono do restaurante
paga, no final do mesmo dia, o vale de seus empregados.
Tivesse o cliente do restaurante pago em dinheiro vivo, o valor do vale
dos empregados da casa seria pago, da mesma forma que foi, através
de crédito futuro.
A cadeia de exemplos poder-se-ia ampliar ao infinito, bastando, no entanto,
lembrar apenas que grande parte das empresas vive seu quotidiano fluxo
de caixa apenas ‘girando” crédito futuro: fatura para seu cliente
pagar a trinta dias, mas desconta na mesma hora o título oriundo da
operação (uma duplicata, por exemplo), gastando, de forma efetiva,
o que viria a ser seu crédito apenas com o transcurso do trintídio.
A figura ocupa relevante espaço nas relações comerciais
e equivale, repita-se, ao desembolso ou à movimentação
de dinheiro vivo. Não pode o Poder Judiciário optar por fechar
os olhos aos mecanismos modernos de movimentação de riquezas,
deixando de penhorar valores dos créditos futuros, por ausência
de expressa previsão legal.
O devedor fugirá com sua lancha de alta potência, adquirida
com seus créditos futuros, e o Juiz remará atrás dele
com o barquinho roto, adquirido com a literalidade da lei.
Liebman, em seus “Estudos” lembra que a igualdade das partes no
processo de execução não é ampla, em face do
posicionamento de superioridade do credor sobre o de sujeição
do devedor, concluindo que “não há mais equilíbrio entre
as partes, não há contraditório; uma parte exige que
se proceda, a outra não o pode impedir e deve suportar o que se faz
em seu prejuízo, podendo pretender, unicamente, que, no cumprimento
dessa atividade, seja observada a lei.” 9
Está enfraquecido o autor da execução, protegendo-se,
de forma não equilibrada, o réu devedor. A decisão
em comento converte o primeiro em suplicante e o último em
doador. Isto porque o devedor pagará tão
somente quando lhe aprouver, fazendo transitar seu dinheiro livremente pelas
estradas eletrônicas, enquanto atrás dele estará o Juiz
cansado de golpear seu burrico, no afã de alcançá-lo,
ou de retirar a água do fundo do barco, quase a pique. De qualquer
ângulo que se olhe, prejudicado estará o credor e maculada a
própria Justiça do Trabalho, à qual se atribuirá
a justa pecha de ineficaz.
Posta a matéria em debate, concluo com a pergunta, que parece-me
já respondida: a quem serve a execução trabalhista?
Juiz Marcos Neves Fava
Juiz
do Trabalho Substituto no TRT da Segunda Região.
1 Processo-TST-
PP-762,513/2201.0, requerente Banco do Brasil SA.
2 Eminente Vice Presidente do Colendo Tribunal Superior
do Trabalho, no exercício da corregedoria.
3 Proc TST-RC 712.972/2001.1 – Hidroservice Engenharia
Ltda e Outros x TRT de São Paulo.
4 AG nº 762.513/2201.0
5 PEDIDO DE PROVIDÊNCIA
– POSSIBILIDADE DE REVISÃO DA MATÉRIA POR OUTRO RECURSO SENÃO
O AGRAVO REGIMENTAL – O exame de pedido de providências é de
competência do Juiz-corregedor do Tribunal Regional do Trabalho, cuja
decisão, à semelhança da reclamação correicional,
não comporta outro recurso senão o agravo regimental para o
Tribunal, que, nesse caso, funciona como segunda instância. Nesse sentido
há orientação jurisprudencial da Colenda Seção
Especializada em Dissídios Individuais desta Corte. (TST – RMA 583984
– TP – Rel. Min. Vantuil Abdala – DJU 20.10.2000 – p. 379)
6 70. RECURSO ORDINÁRIO. CABIMENTO. NÃO
CABE RECURSO ORDINÁRIO CONTRA DECISÃO DE AGRAVO REGIMENTAL
INTERPOSTO EM RECLAMAÇÃO CORREICIONAL.
7 QUESTÕES SOBRE EMBARGOS À EXECUÇÃO
NA JUSTIÇA DO TRABALHO - Cláudio Armando Couce de Menezes (Publicada
no Jornal Síntese nº 36 - FEV/2000, pág. 25)
8
Art. 46. Compete ao Corregedor-Geral:
I - submeter à apreciação do Órgão Especial
o Regimento da Corregedoria-Geral e suas alterações;
II - exercer funções de inspeção e correição
permanente ou periódica, ordinária ou extraordinária,
geral ou parcial;
III - decidir reclamações contra os atos atentatórios
à boa ordem processual, praticados pelos Tribunais Regionais, seus
Presidentes e Juízes, quando inexistir recurso específico;
IV - expedir provimentos para disciplinar os procedimentos a serem adotados
pelos Órgãos Judiciários da Justiça do Trabalho.
9
Estudos sobre o processo civil brasileiro. S. Paulo, José Bushatsky,
1976, página 74.
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