CLT DINÂMICA - DOUTRINA

A SUCESSÃO TRABALHISTA

Ivone de Souza Toniolo do Prado Queiroz
Juíza Titular da 53ª VT de São Paulo

 
O legislador, já há muito, preocupou-se em proteger o empregado contra certas alterações que podem ocorrer na empresa para a qual trabalha e de que faz parte. De fato, a força do trabalho humano é elemento essencial para a empresa.        
 
A Constituição de 1937, art. 137, rezava que “nas empresas de trabalho contínuo, a mudança de proprietário não rescinde o contrato de trabalho, conservando os empregados, para com o novo empregador, os direitos que tinham em relação ao antigo.”
 
Conforme art. 10 da CLT: “Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados.” Ainda, o art. 448 da CLT dispõe que: “A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados.”
 
Mas, na prática, nem sempre é fácil delimitar a sucessão de empresas, notadamente quando ocorre fraude a execução.
 
Conforme ensina o Professor Sérgio Pinto Martins “in” Direito do Trabalho, Editora Malheiros, 1994, pág. 136: “Ocorre mudança na estrutura jurídica da empresa na transformação da empresa individual para sociedade e vice-versa; na alteração de sociedade anônima para limitada ou de uma para outra forma de sociedade; na modificação do número de sócios.”
 
AMAURI MASCARO DO NASCIMENTO, in “Iniciação do Direito do Trabalho”, Ltr, 20ª edição, pág. 173, leciona que:
“Sucessão de empresa significa mudança na propriedade da empresa. A expressão sucessão de empresas, no sentido estrito, designa todo acontecimento em virtude do qual uma empresa é absorvida por outra, o que ocorre nos casos de incorporação, transformação e fusão.” ... “Ocorre também sucessão de empresa, e este é o sentido amplo do vocábulo, quando da alienação da empresa para outro empresário. A rigor, não é adequado falar nesse caso em sucessão de empresa. A empresa continua a existir normalmente, não foi sucedida, substituída por outra. O seu ou seus titulares, sim. Houve modificação de propriedade. Porém, convencionou o nosso direito que também esse acontecimento deve ser denominado de sucessão de empresas. A aquisição da empresa pelo novo titular, portanto, é a sua nota característica.”
 
Empresa é o conjunto dos bens e meios necessários organizado para o exercício de uma atividade econômica. Empresa é a unidade econômica produtiva no desempenho de uma atividade econômica. Esse mesmo conceito se extrai do conceito de empresário contido do art. 966 do Código Civil vigente que dispõe: “Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.  Empresa não é só máquinas, nem só o aviamento, nem só o ponto comercial, nem só o imóvel onde se exercem as atividades, nem só a força de trabalho, nem só a clientela, etc. Empresa é um conjunto que engloba todos esses elementos e, enfim, os bens, materiais e não materiais necessários, organizado para o exercício da atividade econômica. Assim, só ocorre sucessão quando esse conjunto organizado, que é a empresa, é transferido de propriedade. A transferência de parte de seus componentes não qualifica a denominada “sucessão de empresas”, embora possa caracterizar fraude à execução, quando presentes os requisitos do art. 593 do CPC, ou fraude a credores, quando presentes os requisitos dos arts. 158 à 165 do Código Civil.
 
Na lição de DÉLIO MARANHÃO, in ‘INSTITUIÇÕES DE DIREITO DO TRABALHO”, Ltr, 14ª Edição, Vol. I, págs. 285, 289 e 290:
O conceito de sucessão, em sua acepção mais ampla, abrange todos os casos em que se verifica uma modificação do direito quanto ao respectivo sujeito. Nas palavras de Coviello, sucessão, em sentido jurídico consiste ‘na substituição de uma pessoa por outra na mesma relação jurídica’: a identidade da relação e a diversidade dos sujeitos caracterizam a verdadeira sucessão.” ... “Para que exista a sucessão de empregadores, dois são os requisitos indispensáveis: a) que um estabelecimento, como unidade econômico-jurídica, passe de um para outro titular; b) que a prestação de serviço pelos empregados não sofra solução de continuidade.” ... “Não se produz a alienação do estabelecimento quando a transferência afete elementos isolados, nem tão pouco quando compreenda toda a atividade considerada como um conjunto desarticulado e inorgânico.  ...  Não é possível, portanto, falar-se em sucessão quando tenha havido a alienação de apenas parte do negócio, que não possa ser considerada  uma unidade econômico-produtiva, ou de máquinas e coisas vendidas como bens singulares.”
 
A doutrina faz grandes conjecturas a respeito. Discute-se que pelo conceito de empregador dado pelo art. 2º da CLT e pelas disposições dos arts. 10 e 448 da CLT, o legislador teria colocado como empregador a empresa. Discute-se que a empresa, por não ter personalidade jurídica, é objeto de direito e não sujeito de direito, e que o sujeito de direito é a pessoa física ou jurídica que detém a propriedade da empresa. De fato, a questão comporta altas discussões doutrinárias. Mas, na prática, o que tem relevo, é que o legislador quis vincular os contratos de trabalho à empresa, ou seja, à unidade econômica produtiva no desempenho de uma atividade econômica. E agiu bem, posto que a força de trabalho compõe a própria empresa. Pode ser colocado, como opinou Oscar Saraiva, de um “jus in re”, ou seja de uma obrigação “propter rem”. O professor Silvio Rodrigues conceitua a obrigação propter rem como “a obrigação decorrente da relação entre o devedor e a coisa.”. Ensina aquele mestre que “a obrigação propter rem é aquela em que o devedor, por ser titular de um direito sobre uma coisa, fica sujeito a uma determinada prestação que, por conseguinte, não derivou da manifestação expressa ou tácita de sua vontade. O que o faz devedor é a circunstância de ser titular de um direito real, e tanto isso é verdade, que ele se libera da obrigação se renunciar a esse direito.” (“in” Direito Civil, Vol. 2, Editora Saraiva, 22ª Edição, pág. 99).
 
Conclusão: Há sucessão de empresas na incorporação, transformação e fusão, bem como quando a empresa é alienada de uma para outra pessoa.A alienação de apenas parte dos elementos que compõem a empresa, como, por exemplo, nome, marca, máquinas, imóvel e carteira de clientes, não caracteriza a sucessão de empresas, embora, conforme o caso, possa caracterizar fraude à execução ou fraude contra credores, quando presentes os requisitos legais. Também não a caracteriza a alienação de todos os elementos, mas já desarticulados, desassociados da atividade econômica, como por exemplo, um estabelecimento que fecha as portas e encerra as atividades por longo período.


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