FUNDO DE GARANTIA E TEMPO
DE SERVIÇO – A PRESCRIÇÃO TRINTENÁRIA E A SÚMULA
362 DO C. TST
IVONE DE SOUZA TONIOLO DO PRADO QUEIROZ
Juíza
Titular da 53ªVT/SP
Dispõe o art.
23, § 5º, da Lei 8036/90, que a prescrição
do Fundo de Garantia e Tempo de Serviço é trintenária.
Mesmo antes
da inserção dessa disposição em lei, a jurisprudência
já era pacífica de que a prescrição do Fundo
de Garantia e Tempo de Serviço é trintenária. A respeito,
existe inclusive súmula do Superior Tribunal de Justiça. Trata-se
da súmula
210, vazada nos seguintes termos: “A ação de cobrança
das contribuições para o Fundo de Garantia e Tempo de Serviço
prescreve em trinta anos.”
Dispõe a Constituição
Federal que:
ART.7
- São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de
outros que visem à melhoria de sua condição social:
XXIX
- ação, quanto aos créditos resultantes das relações
de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores
urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção
do contrato de trabalho;
A questão
que se propõe é como pode ser possível ser trintenária
a prescrição do Fundo de Garantia e Tempo de Serviço
diante da disposição constitucional constante no art.7º,
inciso XXIX.
O Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço não é apenas um direito
trabalhista de interesse exclusivo do empregado. Esse fundo tem um interesse
coletivo na medida em que seus recursos são voltados para a aplicação
em inúmeros projetos sociais, dentre eles o financiamento de casa
própria e o financiamento de obras de saneamento básico urbano,
sem falar em tantos outros. Sua natureza jurídica não é
de um simples direito pessoal do empregado, tratando-se sim de uma contribuição
social conforme tranqüila e pacífica jurisprudência a respeito,
firmada há décadas, da qual destacamos os seguintes julgados:
Superior
Tribunal de Justiça
E M E
N T A
EXECUÇÃO
FISCAL - FGTS - PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA - CONSTITUIÇÃO
FEDERAL, ART.
165, XIII - EC 1/69 E 8/77 - CTN, ARTS. 173 E 174 - LEIS NS. 3.807/60,
ART. 144, 5.107/66 E 6.830/80,
ART. 2., PARÁGRAFO 9. - DECRETO N. 77.077/76, ART. 221 - DECRETO N.
20.910/32 - SUMULAS 107, 108 E 219 - TFR. 1. O FGTS, CUJA NATUREZA
JURÍDICA, FUGIDIA DOS TRIBUTOS, ESPELHA A CONTRIBUIÇÃO
SOCIAL, PARA A PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA, SUJEITA-SE
AO PRAZO TRINTENÁRIO. 2. PRECEDENTES DO STF E STJ. 3.
RECURSO PROVIDO. ACÓRDÃO RIP:00016075 DECISÃO:15-12-1995
PROC: RESP
NUM:0063401 ANO:95 UF: MG TURMA:01
RECURSO ESPECIAL
P U B L I
C A Ç Ã O: DJ DATA:25/03/1996 PG:08546
R E L A T
O R: MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA
O B S E R
V A Ç Ã O: POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO AO RECURSO.
VEJA: RE
100249, RE 114386-RJ, RE 86959-BA, RE 116735, RE 114252-SP, RE
110012-AL,
(STF); RESP 31700-RJ, RESP 14412-MG, RESP 11084-SP, (STJ).
(“in”
Juis - Jurisprudência Informatizada Saraiva, CD-ROM nº 13, 3º
Trimestre/98)
Superior
Tribunal de Justiça
E M E N T
A
EXECUÇÃO
FISCAL - FGTS - PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA - CONSTITUIÇÃO
FEDERAL, ART. 165, XIII - EC 1/69 E 8/77 - CTN, ARTS. 173 E 174 - LEIS NS.
3807/60, ART. 144, 5107/66 E 6830/80,
ART. 2., PAR-9. - DECRETO N. 77077/76, ART. 221 - DECRETO N. 20910/32 - SUMULAS
107, 108 E 219-TFR. 1. O FGTS, CUJA NATUREZA JURÍDICA,
FUGIDIA DOS TRIBUTOS, ESPELHA A CONTRIBUIÇÃO SOCIAL, PARA A
PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA, SUJEITA-SE
AO PRAZO TRINTENÁRIO. 2. PRECEDENTES DO STF E STJ. 3.
RECURSO PROVIDO.
ACÓRDÃO
RIP:00000027 DECISÃO:11-04-1994
PROC: RESP
NUM:0001874 ANO:90 UF: SP TURMA:01
RECURSO ESPECIAL
P U B L I
C A Ç Ã O: DJ DATA:09/05/1994 PG:10801
R E L A T
O R: MINISTRO MILTON LUIZ PEREIRA
(“in”
Juis - Jurisprudência Informatizada Saraiva, CD-ROM nº 13, 3º
Trimestre/98)
Superior
Tribunal de Justiça
E M E N T
A
EXECUÇÃO
FISCAL - DÉBITOS DO FGTS - NATUREZA JURÍDICA - PRAZO
PRESCRICIONAL - PRECEDENTES. 1. CONFORME ORIENTAÇÃO DO
EGRÉGIO STF COMPARTILHADA POR ESTE STJ, OS RECOLHIMENTOS DEVIDOS AO
FGTS SÃO CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS QUE
NÃO TEM NATUREZA TRIBUTARIA. 2. SUJEITAM-SE A PRESCRIÇÃO
TRINTENÁRIA E NÃO A QÜINQÜENAL PREVISTA NO CTN.
3. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARA AFASTAR A PRESCRIÇÃO
DECRETADA.
ACÓRDÃO
RIP:00009670 DECISÃO:28-04-1993
PROC: RESP
NUM:0011088 ANO:91 UF: SP TURMA:02
RECURSO ESPECIAL
P U B L I
C A Ç Ã O: DJ DATA:23/08/1993 PG:16569
R E L A T
O R: MINISTRO PECANHA MARTINS
O B S E R
V A Ç Ã O: POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO AO RECURSO.
VEJA: RESP
14.059-SP (STJ), RE 100.249-SP, RE 110.149-MG, RE 111.635-SP (STF).
(“in”
Juis - Jurisprudência Informatizada Saraiva, CD-ROM nº 13, 3º
Trimestre/98)
Superior
Tribunal de Justiça
E M E N T
A
EXECUÇÃO
FISCAL - CRÉDITOS PREVIDENCIARIOS E DO FGTS - NATUREZA JURÍDICA
- PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE - INOCORRENCIA - PRECEDENTES DO
STF. 1. ASSENTE O ENTENDIMENTO SOBRE A NATUREZA DE CONTRIBUIÇÃO
SOCIAL DOS RECOLHIMENTOS DEVIDOS A PREVIDÊNCIA E AO FGTS, O
PRAZO PRESCRICIONAL E TRINTENÁRIO. 2. ATE O ADVENTO DA EC N.
8/77, APENAS AO DÉBITOS PREVIDENCIARIOS SUJEITAVAM-SE AS REGRAS DO
CTN QUANTO A PRESCRIÇÃO, CONFORME ORIENTAÇÃO
DA SUPREMA CORTE. 3. NÃO SE OPERA A PRESCRIÇÃO
INTERCORRENTE QUANDO O EXEQUENTE NÃO DEU CAUSA A PARALISAÇÃO
DO FEITO. 4. RECURSO NÃO CONHECIDO.
ACÓRDÃO
RIP:00002128 DECISÃO:14-04-1993
PROC: RESP
NUM:0031693 ANO:93 UF: RJ TURMA:02
RECURSO ESPECIAL
P U B L I
C A Ç Ã O: DJ DATA:28/06/1993 PG:12876
R E L A T
O R: MINISTRO PECANHA MARTINS
O B S E R
V A Ç Ã O: POR UNANIMIDADE, NÃO CONHECER DO RECURSO.
(“in” Juis
- Jurisprudência Informatizada Saraiva, CD-ROM nº 13, 3º
Trimestre/98)
Superior
Tribunal de Justiça
E M E N T
A
RECURSO ESPECIAL.
FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO. CONTRIBUIÇÕES.
NATUREZA JURÍDICA. PRESCRIÇÃO.
PRECEDENTES. 1. OS RECOLHIMENTOS PARA O FGTS TEM NATUREZA DE CONTRIBUIÇÃO
SOCIAL E NÃO TRIBUTARIA. 2. PRESCREVE EM TRINTA ANOS A AÇÃO
DE COBRANÇA DOS RECOLHIMENTOS NÃO EFETUADOS.
3. ENTENDIMENTO
TRANQÜILIZADO NA CORTE SUPREMA. 4. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
ACÓRDÃO
RIP:00003059 DECISÃO:16-11-1992
PROC: RESP
NUM:0008458 ANO:91 UF: MG TURMA:02
RECURSO ESPECIAL
P U B L I
C A Ç Ã O: DJ DATA:01/03/1993 PG:02498
R E L A T
O R: MINISTRO PECANHA MARTINS
O B S E R
V A Ç Ã O
POR UNANIMIDADE,
CONHECER DO RECURSO E LHE DAR PROVIMENTO.
VEJA: RE
114.252-9-SP, RE 110.012-5-AL (STF).
(“in” Juis
- Jurisprudência Informatizada Saraiva, CD-ROM nº 13, 3º
Trimestre/98)
Ao aplicar
uma lei, o juiz não deve esquecer do restante do ordenamento jurídico,
ou seja, das outras leis, de modo que não interprete uma lei de forma
atentatória as disposições de outras leis. Trata-se
do método de interpretação denominado sistemático.
Tal sistema
considera que o Direito é um só, formando um todo e que cada
disposição legal deve ser interpretada em consonância
com esse todo. Segundo Caio Mario da Silva Pereira (Instituições
de Direito Civil, Vol. I, Forense, 9ª Edição, págs.
139/140): “Aqui, o esforço hermenêutico impõe a fixação
de princípios amplos, norteadores do sistema a que o interpretando
pertence, e o seu entendimento em função dele.” Ainda segundo
aquele mestre: “Deve o intérprete investigar qual a tendência
dominante nas várias leis existentes sobre matérias correlatas,
e adotá-la como premissa implícita daquele que é objeto
de suas perquirições.”
Sobre o mesmo
tema, ensina Silvio Rodrigues (Direito Civil, Vol. 1, Ed. Saraiva, 24ª
edição, pág. 26) ao tratar do método de interpretação
lógica, que nesse método “parte-se do pressuposto de que
o ordenamento jurídico é um edifício sistematicamente
concebido, de sorte que o texto estudado em confronto com outros, a fim de
não ser interpretado de modo a conflitar com regras dadas para casos
análogos; ...”
Não
é possível esquecer que o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
não adimplido pode ser cobrado pela Procuradoria da Fazenda Nacional
ou pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, conforme Lei
8844/94:
ART.2
- Compete à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a inscrição
em Dívida Ativa dos débitos para com o Fundo de Garantia do
Tempo de Serviço - FGTS, bem como, diretamente ou por intermédio
da Caixa Econômica Federal, mediante convênio, a representação
judicial e extrajudicial do FGTS, para a correspondente cobrança,
relativamente à contribuição e às multas e demais
encargos previstos na legislação respectiva.
Aliás,
a cobrança é feita por eles de modo principal e apenas subsidiariamente
pelo empregado. Veja-se as disposições da Lei
8036/90 a respeito:
Art.25:
“Poderá o próprio trabalhador, seus dependentes e sucessores,
ou ainda o Sindicato a que estiver vinculado, acionar diretamente a empresa
por intermédio da Justiça do Trabalho, para compeli-la a efetuar
o depósito das importâncias devidas nos termos da Lei.”
Obviamente,
sendo a prescrição trintenária, poderá a Procuradoria-Geral
da Fazenda Nacional e a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL cobrar os inadimplentes
no prazo de 30 anos. Obviamente que também não se poderá
opor a elas as disposições do art.
7º, inciso XXIX da Constituição Federal de 1988,
já que não são empregadas, trabalhadoras e nem mantém
contrato de trabalho com os inadimplentes.
Então,
teríamos que aceitar que o Procuradoria e a CEF poderiam cobrar essa
contribuição social no prazo de 30 anos, independentemente
da data da extinção do contrato de trabalho. Porém,
o empregado, principal beneficiário do instituto, só poderia
cobrar até 2 anos após a extinção do contrato,
sendo que ultrapassado tal prazo teria que requer a Procuradoria e a CEF
que cobrassem. Essa interpretação resulta em situação
absurda.
Conforme
Carlos Maximiliano, “Deve o Direito ser interpretado inteligentemente: não
de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências,
vá ter conclusões inconsistentes ou impossíveis. Também
se prefere a exegese de que resulte eficiente a providência legal ou
válido o ato, à que torne aquela sem efeito, inócua,
ou este, juridicamente nulo.” in Hermenêutica e Aplicação
do Direito, Ed. Forense, 10ª Edição, pág.
166.
Portanto,
a interpretação mais razoável é que, sendo o
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço além de um crédito
resultante da relação trabalhista, uma contribuição
social, não está sujeito a limitação prescricional
imposta pelo art.
7º da Constituição Federal.
A prescrição
do FGTS é trintenária de acordo com a súmula
210 do STJ e o art.
23, § 5º, da Lei 8036/90.
Não
há como reconhecer-se que o prazo de prescrição é
de 30 anos e exigir o ajuizamento da ação em dois anos após
a rescisão do contrato de trabalho. Prescrição é
a perda do direito de ação pelo transcurso de determinado prazo.
Se a legislação diz que esse prazo é de 30 anos, não
há como fulminar o direito de ação antes do transcurso
do mesmo. Poder-se-ia, quando muito, discutir-se a constitucionalidade do
§ 5º, do art.
23, da Lei 8036/90. A jurisprudência sumulada de dois Tribunais
Superiores (Tribunal Superior do Trabalho e STJ) ao afirmar que a prescrição
é trintenária, implicitamente já rechaçou qualquer
entendimento em tal sentido, e entendeu constitucional a norma legal.
Por outro
lado, não há justificativa razoável para aplicar ao
Fundo de Garantia e Tempo de Serviço a limitação prescricional
de dois anos prevista no art.
7º da Constituição Federal, e não aplicar
a limitação de cinco anos prevista no mesmo dispositivo legal,
exceto se aceitarmos que o Fundo de Garantia e Tempo de Serviço é
mais do que um simples direito decorrente do contrato de trabalho, constituindo-se
também numa contribuição social.
Assim, respeitosamente,
entendo que a súmula
362 do TST necessite ser repensada, para admitir a prescrição
de 30 anos independentemente da data da extinção do contrato
de trabalho.
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