REVELIA E FATOS ABSURDOS
OU IMPOSSÍVEIS
Ivone de Souza Toniolo do Prado Queiroz
Juíza
Titular da 53ª VT de São Paulo
Não é raro encontrar-se
alegações absurdas e despropositadas feitas pelo autor. São
alegações de fatos que a experiência de vida é
suficiente para dar a certeza de que não ocorreram ou, pelo menos,
não ocorreram com a freqüência alegada. Por exemplo, é
razoável que um trabalhador tenha trabalhado 22, 23 ou 24 horas em
um dia, ou em alguns dias ou, ainda, em vários dias, dentro de uma
limitação temporal. Mas não é aceitável
que um trabalhador tenha trabalhado 22 horas por dia diariamente e durante
anos.
A questão
que se propõe é sobre as conseqüências jurídico-processuais
que tais alegações podem provocar quando há revelia.
Deverá nesse caso o juiz aceitar a confissão ficta como prova
e condenar o réu, ou deverá rechaçar a pretensão?
O direito
é criado para regular as relações sociais. Assim, o
julgador não pode ignorar as relações sociais, porque
é para elas que as regras jurídicas são criadas. Caso
contrário, não teriam razão de ser. E as relações
sociais são aquelas existentes naquele momento histórico em
que os fatos objeto de controvérsia ocorrem. A evolução
da ciência e da tecnologia e a própria evolução
do pensamento dos homens, mudam as relações sociais.
Assim, o juiz deve analisar
as alegações dentro do local e época em que relações
sociais que geraram o conflito de interesses ocorreram. Deverá ainda
observar os costumes do local e tempo.
E a própria
lei processual assim autoriza. Conforme art.
335 do Código de Processo Civil, o juiz pode valer-se da experiência
comum. Aliás, segundo entendimento de parte da jurisprudência,
o juiz não só pode como deve valer-se da experiência
comum. Confira-se:
SEGUNDO TRIBUNAL DE ALÇADA CIVIL DE SÃO PAULO
E M E N T
A
PROVA
- EXAME - REGRAS DE EXPERIÊNCIA COMUM - APLICAÇÃO
“O Juiz não
pode desprezar as regras de experiência comum ao proferir a
sentença. Vale dizer, o Juiz deve valorizar e apreciar as provas dos
autos, mas ao fazê-lo pode e deve servir-se da sua experiência
e do que comumente acontece."
Ap. c/ Rev.
241.178 - 1ª Câm. - Rel. Juiz ADAUTO FARIA (aux.) - J. 9.8.89, in JTA (RT) 121/391
Referência:
MOACYR AMARAL
SANTOS - "Comentários de Processo Civil", vol. IV, ed. 1976, pág. 53 “coletado “in” JUIS - JURISPRUDÊNCIA
INFORMATIZADA SARAIVA, CD-ROOM nº 10, 4º Trim. 1997, Argumentos
de pesquisa “experiência comum prova”. Consta também Código
de Processo Civil de Theotônio Negrão, 28ª Edição,
pág. 330 (335.2).
E se, ao
utilizar essa experiência comum, verificar que o fato alegado é
absurdo ou impossível, deve rechaçar a pretensão nele
embasada, indeferindo o pedido respectivo.
Por outro
lado, se o fato não for absurdo e nem impossível, mas for improvável,
poderá determinar a produção de provas, com amparo no
disposto no art.
130 do Código de Processo Civil e 765
da Consolidação das Leis do Trabalho. Em termos de prova,
não ocorre a preclusão “pro judicato”.
Ensina Tostes Malta: “A confissão
contra fato notório ou impossível é inadimissível.”
(“in” PRATICA DO PROCESSO TRABALHISTA, Editora Ltr, 27ª Edição,
pág. 437).
Na jurisprudência:
TRT 2ª
Região - São Paulo/SP
E M E N T
A
CONFISSÃO
FICTA - ALCANCE REAL.
A CONFISSÃO
FICTA DA RECLAMADA NÃO ALCANÇA FATOS QUE FOGEM DO RACIOCÍNIO
LÓGICO E DOS LIMITES DAS CONDIÇÕES HUMANAS. O EXAGERO
NA CAUSA DE PEDIR DEVE SER MEDIDO E LIMITADO AO RAZOÁVEL, PUBLICO
E NOTÓRIO.
ACÓRDÃO:
02930213862 ORIGEM: TRT
DECISÃO: 07/07/1993
PROCESSO:
02910161140 ANO PROC: 1993
PUBLICAÇÃO: 23/07/1993
TURMA: 07
REGIÃO: 2ª
UF: SP
DESCRIÇÃO
: CONFISSÃO FICTA
R E L A T
O R (A): GUALDO FORMICA
TRT 1ª
Região - Rio de Janeiro/RJ
E M E N T
A
CONFISSÃO
FICTA
PENA DE CONFISSÃO.
SE NÃO PODE SE SOBREPOR A PROVA JÁ PRODUZIDA NOS AUTOS, TAMBÉM
NÃO PODE SE SOBREPOR AO REAL. NÃO SE PODE EM FACE DA PENA DE
CONFISSÃO, RECONHECER-SE JORNADA DE TRABALHO DIÁRIA DE 19 HORAS
SEM INTERVALO PARA REFEIÇÃO E DESCANSO, POR SETE ANOS CONSECUTIVOS
POR SER HUMANAMENTE IMPOSSÍVEL SUPORTÁ-LA. RECURSO ORDINÁRIO
PROVIDO EM PARTE.
RO 06019-89
JULGADO EM
07-01-91, POR UNANIMIDADE
PUBLICAÇÃO:
DORJ, III, DE 04-04-91
RELATOR:
JUIZ VICENTE CARLOS FUSCALDO
TURMA: 5
(ambos “in”
JUIS TRABALHISTA - JURISPRUDÊNCIA INFORMATIZADA SARAIVA, 1ª Edição,
fevereiro 1998)
Confira-se, ainda, o mesmo
entendimento na Justiça Comum:
Segundo
Tribunal de Alçada Civil de São Paulo
EMENTA
"705" - LCOMR
475
LOCAÇÃO
COMERCIAL - RENOVATÓRIA - ALUGUEL - REVELIA - PERÍCIA - FACULTATIVIDADE
Na ação renovatória o juiz não está obrigado
a julgar procedente o pedido por causa da revelia. Poderá, se quiser,
determinar a realização de prova pericial desde que a considere
indispensável para a formação de sua convicção.
Sentindo que há exagero no pedido, não deverá impô-lo
ao réu, ainda que revel.
Ap. c/ Rev.
453.639 - 3ª Câm. - Rel. Juiz FRANCISCO BARROS - J. 23.4.96 -
Referência: FRANCISCO CARLOS ROCHA DE BARROS - "Comentários
à Lei do Inquilinato", Ed. Saraiva, 1995, págs. 355-6, 476/478,
543/544
Os fatos
absurdos e impossíveis nem por confissão ficta se provam.
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