CLT DINÂMICA - DOUTRINA

A DATA DE BAIXA NA CTPS QUANDO O AVISO PRÉVIO É INDENIZADO

Ivone de Souza Toniolo do Prado Queiroz

Juíza Titular da 53ª VT de São Paulo

A baixa na Carteira de Trabalho e Previdência Social, deve corresponder à data da extinção do contrato de trabalho.
 
Por essa razão é de se fazer as seguintes indagações: Quando o contrato de trabalho se extingue? Com a dispensa e/ou o pedido de demissão? Quando é dado o aviso prévio por uma das partes? Com a assinatura do termo de rescisão do contrato de trabalho ou, ainda, com a cessação da prestação de serviços?

A existência de um contrato, seja ele qual for, inclusive o contrato de trabalho, depende do preenchimento de todos os requisitos que lhe são próprios. O contrato de trabalho é, indiscutivelmente, um contrato bilateral por gerar obrigações recíprocas, sendo uma delas, a de prestar serviços. Ainda, o contrato de trabalho é regido pelo princípio da primazia da realidade. Sendo contrato tipicamente bilateral e consensual, sua vigência no mundo dos fatos está condicionada à existência de obrigações recíprocas. Tanto é que quando não existe a obrigação de prestar serviços para o empregado, o contrato é considerado interrompido ou suspenso, conforme o caso. Mas para estar interrompido ou suspenso, mister se faz a possibilidade de continuação, visto que a suspensão e a interrupção, para se caracterizar, requer temporariedade e não definitividade.

Conforme escreveu Russomano (apud “INSTITUIÇÕES DE DIREITO DO TRABALHO” de Arnaldo Sussekind, Délio Maranhão e Segadas Viana, Vol. 1, Ltr, 16 Edição, pág. 485): “A rescisão e a suspensão têm um ponto em comum: todas as cláusulas contratuais ficam paralisadas; mas têm um ponto de profunda diferença: a primeira é uma cessação definitiva do contrato e a segunda uma cessação provisória, pois o contrato é reatado desde o momento em que for removida a causa suspensiva.” “Já a interrupção distingue-se da rescisão porque, embora também em caráter provisório, nem todas as cláusulas ajustadas deixam de produzir efeitos. Apenas algumas cláusulas ficam imobilizadas até que desapareça a razão de ser da mesma, enquanto, na interrupção, o contrato continua a vigorar, embora com parte de seus dispositivos momentaneamente inaplicáveis e inexigíveis, na suspensão do contrato não vigora.”

No caso da dispensa sem aviso prévio e conseqüente indenização de tal omissão, a cessação dos efeitos do contrato é definitiva e não provisória. Por essa razão não pode ser considerada com interrupção ou como suspensão do contrato de trabalho.

Por outro lado, o art. 489 da Consolidação das Leis do Trabalho dispõe que dado o aviso prévio, a rescisão torna-se efetiva depois de expirado o respectivo prazo. A interpretação conjugada dos arts. 487 e 489 da Consolidação das Leis do Trabalho nos leva à conclusão de que ou o empregador concede aviso prévio de 30 dias e, nessa hipótese o contrato de trabalho só é rescindido após expirado tal prazo, ou o empregador não concede aviso prévio, hipótese em que paga como indenização o salário do respectivo período.

Na verdade, não existe aviso prévio indenizado e sim indenização pela não concessão de aviso prévio. O que erroneamente se acostumou chamar de aviso prévio indenizado não encontra significação plausível nem na língua portuguesa, em sentido comum, e nem na linguagem técnica jurídica. Aviso prévio significa avisar antes, com antecedência. No mundo jurídico significa, como bem define De Plácido e Silva (vide De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, Vols. I e II, Ed. Forense, 2ª edição), a notificação anterior, a ciência antecipada do que se pretende fazer. No caso do contrato de trabalho, a antecedência exigida é de 30 dias. Trata-se de obrigação de fazer e não de pagar. Dessa forma, ou o aviso prévio (comunicação, notificação antecipada) existe ou não existe. Se não existe, a lei comina efeitos jurídicos para reparar a sua ausência. Omitindo-se o empregador, responde pelo salário relativo ao período que a lei exige de comunicação antecedente (art. 487, 1º, da CLT). Omitindo-se o empregado, o empregador pode descontar os salários correspondentes ao prazo respectivo (art. 487, 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho).

Quando o empregador comunica ao empregado que este está dispensado a partir daquela mesma data, não está dando aviso prévio e sim simples comunicado da dispensa imediata. Por conta disso, haverá de indenizar o empregado do salário relativo ao período de aviso prévio que não concedeu. Não se trata, repita-se, de aviso prévio indenizado e sim de indenização pela não concessão de aviso prévio.

E se o legislador afirma, no art. 489 da Consolidação das Leis do Trabalho, que dado o aviso prévio, a rescisão torna-se efetiva depois de expirado o respectivo prazo, contrario senso, é de concluir-se que não dado o aviso prévio, a rescisão se torna efetiva de imediato. É a exceção que faz a regra. Se, mesmo na inexistência do aviso prévio, o contrato só se rescindisse após o prazo resultante de sua projeção, o legislador não precisaria ter inserido no supracitado art. 489 da Consolidação das Leis do Trabalho que, dado o aviso, a rescisão torna-se efetiva após expirado o prazo. Porém, a lei não contém palavras inúteis, o que é uma regra de exegese.

A versão de que o contrato de trabalho se extingue após expirado o prazo relativo à indenização pela falta de aviso prévio baseia-se no art. 487, § 1º, da Consolidação das Leis do Trabalho, o qual estabelece que na falta de aviso prévio por parte do empregador, resta ao empregado o direito aos salários correspondentes ao prazo do aviso, garantida sempre a integração de seu período no tempo de serviço. A vigência da parte final desse dispositivo legal é questionável porque a Legislação Previdenciária não considera o período de aviso prévio indenizado como tempo de serviço, conforme art. 28, § 9º, alínea “e” da LCPS (8212/91), arts. 57 e 58 do Decreto 611/92 e Decreto 2172/97, art. 28, 9º, alínea “e”. Conforme artigo segundo, parágrafo primeiro da LICC, a lei posterior revoga a anterior quando seja com ela incompatível. Sem dúvida existe incompatibilidade da Lei Previdenciária, que é posterior, com o art. 487, 1º, da Consolidação das Leis do Trabalho.

Aliás, esse já era o entendimento dominante na jurisprudência mesmo antes da edição da Lei 8212/91. Confira-se:

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
E M E N T A : "PREVIDÊNCIA SOCIAL. AVISO PRÉVIO. o pagamento em dinheiro de aviso prévio, devido pela rescisão do contrato de trabalho, tem caráter indenizatório e não se confunde com o salário, nele não incidindo, portanto, as contribuições de previdência. exegese do par 1 do art. 487, da cons. das leis de trabalho. recurso conhecido e provido.”
DESCRIÇÃO: Recurso Extraordinário. Número: 75237 Julgamento: 27/04/1973
Observação: documento incluído sem revisão do STF
Ano:73 AUD:20-06-73, Origem: SP - SÃO PAULO, Publicação: DJ Data-29-06-73 PG-*****, Relator: DJACI FALCÃO, Sessão: 01 - Primeira Turma (Julgado coletado em “JUIS - JURISPRUDÊNCIA INFORMATIZADA SARAIVA”, CD-ROM nº 10 - 4º Trimestre 1997)

TRIBUNAL FEDERAL DE RECURSOS
SÚMULA Nº 79: Não incide a contribuição previdenciária sobre a quantia paga a título de indenização de aviso prévio.”

Ressalta-se que a Carteira de Trabalho e Previdência Social é documento destinado à fins trabalhistas e previdenciários.

Dentre as regras de exegese encontramos o método de interpretação sistemática. Tal sistema considera que o Direito é um só, formando um todo, e que cada disposição legal deve ser interpretada em consonância com esse todo. Segundo Caio Mário da Silva Pereira (in Instituições de Direito Civil, Vol. I, Forense, 9ª Edição, págs. 139/140): “Aqui, o esforço hermenêutico impõe a fixação de princípios amplos, norteadores do sistema a que o interpretando pertence, e o seu entendimento em função dele.” Ainda segundo aquele mestre: “Deve o intérprete investigar qual a tendência dominante nas várias leis existentes sobre matérias correlatas, e adotá-la como premissa implícita daquele que é objeto de suas perquirições.” A Legislação Previdenciária não considera o período de aviso prévio indenizado como tempo de serviço, conforme art. 28, § 9º, alínea “e” da LCPS ( 8212/91), arts. 57 e 58 do Decreto 611/92 e Decreto 2172/97, art. 28, 9º, alínea “e”. Não sendo considerado tempo de serviço para fins previdenciários, não é possível efetivamente considerar-se a projeção temporal da indenização da falta de aviso prévio como tempo de serviço.

Além disso, é de se ponderar que determinar que o período conte como tempo de serviço não é sinônimo de determinar que o contrato continue a existir. A contagem do tempo de serviço pode ocorrer independentemente da vigência do contrato, se assim determinou a lei. Trata-se apenas da imposição legal de um dos efeitos próprios do contrato, apesar da extinção do mesmo. Havendo previsão legal, isso é perfeitamente possível. Para esclarecer melhor, lançamos mão de um exemplo em outro campo do direito. Dispõe o art. 582 do Código Civil que: “O comodatário constituído em mora, além de por ela responder, pagará até restitui-la, o aluguel da coisa que for arbitrado pelo comodante”. Isso não significaria que o comodato se transformou em contrato de locação e nem que comodatário se transformou em locatário ou que o comodante se transformou em locador. Significa, apenas, que para indenizar os prejuízos do comodante, foi imposto ao devedor conseqüências idênticas às de um contrato de locação.

Por outro lado, o direito é um só e deve andar de mãos dadas com o bom senso. Assim, ao buscar o significado e aplicação da norma, o intérprete deve sempre medir todas as conseqüências e todos os desdobramentos que possam resultar de uma ou de outra interpretação, de forma que todos os resultados estejam em consonância com o direito. Se a interpretação servir a uma situação, mas restar absurda para outras, não poderá ser adotada. Conforme Carlos Maximiliano, “Deve o Direito ser interpretado inteligentemente: não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva incoveniências, vá ter conclusões inconsistentes ou impossíveis. Também se prefere a exegese de que resulte eficiente a providência legal ou válido o ato, à que torne aquela sem efeito, inócua, ou este, juridicamente nulo.” in Hermenêutica e Aplicação do Direito, Ed. Forense, 10ª Edição, pág. 166. Diz De Page que a lei “é uma roupa feita que serve a todos porque não assenta bem em ninguém”. (Apud Délio Maranhão em Instituições do Direito do Trabalho, Vol. I, Ltr, 16ª edição, pág. 162). De fato, a lei é uma norma genérica e abstrata que precisa ser ajustada ao caso concreto, tal como uma roupa feita precisa ser ajustada ao corpo de quem irá vesti-la. Porém, o ajuste da norma geral e abstrata ao caso concreto não pode ser de tal forma que lhe retire a possibilidade de aplicação, com pelo menos bom senso, aos demais casos a que objetiva regular.

Partindo-se do princípio de que o contrato de trabalho só se extinguiria após o decurso do prazo de projeção do aviso prévio não concedido, chegaríamos a situações insustentáveis.

Assim, aquele empregado que trabalha com cláusula de exclusividade, após dispensado pelo empregador sem dação de aviso prévio, mas apenas com indenização relativa à omissão, não poderia celebrar outro contrato de trabalho, durante trinta dias após a dispensa, porque ainda estaria vigente aquele contrato de trabalho com cláusula de exclusividade. Dessa forma, exatamente no período relativo à indenização da falta de aviso prévio, cujo objetivo é que o empregado obtenha outra colocação, não poderia arrumar outro emprego. Esse mesmo empregado, durante tal período, não poderia receber o seguro desemprego. Isso porque, se o contrato de trabalho continua vigente porque não foi rescindido em razão da projeção do período relativo à indenização por falta de aviso prévio, não está desempregado.

Outra situação a ser perquirida é a da justa causa. Por exemplo, em 02.01.98 o empregador dispensa o empregado sem prévio aviso, pagando 30 dias de salário como indenização decorrente de tal omissão. No dia 10.01.98, antes de assinar o Termo de Rescisão de Contrato de Trabalho e receber as verbas rescisórias, o empregado, inconformado com sua dispensa, retorna ao local de trabalho e injuria seu empregador. Partindo-se do raciocínio de que a extinção do contrato de trabalho só ocorre após a projeção do período relativo à indenização pela falta do prévio aviso, teríamos que no ato do pagamento das verbas rescisórias, o empregador poderia considerar a rescisão como sendo por justa causa, nos termos do art. 482, alínea “j”, da Consolidação das Leis do Trabalho.

Por essas razões concluímos que o período relativo à indenização pela não concessão de aviso prévio não é computável para o fim de prorrogar a extinção do contrato de trabalho. Nesse sentido já decidiu o C. STF:

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
E M E N T A “1) Com ressalva dos casos de abuso de direito, candidato a cargo eletivo sindical não está protegido pela estabilidade provisória dos dirigentes sindicais. 2) Não é computável o prazo do aviso prévio, não concedido, para o efeitoprorrogado o ato de dispensa.” de se considerar antecipada a eleição sindical, ou (grifo nosso)
Descrição: Recurso Extraordinário, número: 47407 julgamento: 26/06/1962
Observação: documento incluído sem revisão do STF, Ano:** Aud:18-07-62, Publicação: DJ DATA-24-07-62 PG-00293 EMENT VOL-00508-02 PG-00667, EMENT VOL-00508-02 PG-00668, Relator: VICTOR NUNES, SESSÃO: 02 - Segunda Turma (Julgado coletado em “JUIS - JURISPRUDÊNCIA INFORMATIZADA SARAIVA”, CD-ROM nº 10 - 4º Trimestre 1997)

Não se diga que nosso entendimento choca-se com o enunciado 305 do Tribunal Superior do Trabalho que estabelece que é devido o depósito do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço sobre o aviso prévio indenizado, ou com o entendimento majoritário da jurisprudência no sentido de computar-se o seu período para fins de cálculo de férias e 13º salário. Quando o empregador não concede o aviso prévio, deve, nos termos da lei, indenizar financeiramente o empregado em razão dessa omissão. A indenização deve ser completa e abranger todos os valores a que o empregado faria jus na hipótese da lei ter sido observada, inclusive as quantias mencionadas. Mas, uma coisa é a apuração da perda financeira para fins de indenização e outra coisa é o cálculo da prescrição. Relativamente à data da baixa, ele nada perde, porque a legislação previdenciária não considera como tempo de serviço.

A extinção do contrato de trabalho, nas hipóteses de inexistência de aviso prévio, com indenização pela omissão em sua concessão, ocorre com a dispensa e cessação da prestação de serviços.

Ainda, para corroborar nosso entendimento, citamos o seguinte julgado:

“Anotação em CTPS - cômputo do aviso prévio ‘indenizado’ - Inocorrência. Na forma do parágrafo 1º do art. 487 da CLT, a soma do tempo de serviço ocorre para todos os efeitos trabalhistas, constituindo uma ficção jurídica. Na CTPS - Carteira de Trabalho e Previdência Social, porém a anotação da data deve corresponder à realidade fática do último dia de trabalho, inclusive por suas repercussões previdenciárias, cuja legislação específica não considera o aviso ‘indenizado’ como tempo de serviço, seja para benefícios, seja para contribuição.” (TRT-PR - RO 0971/91 - Ac. 2ª T - 2240/93 - Rel. Juiz Zeno Simm, DJPR, 05.03.93, pág. 147 ). “in” JULGADOS TRABALHISTAS SELECIONADOS, Ltr, Vol. III, pág. 159.

Portanto, o período relativo a projeção da indenização do aviso prévio não deve ser computado para fins de anotação da baixa na Carteira de Trabalho e Previdência Social.


Serviço de Jurisprudência e Divulgação